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“Samu, em que posso te ajudar?”.
Quanto você tecla 192 diante de uma emergência, meio em desespero, automaticamente começa a visualizar a ambulância que virá ao resgate antes mesmo de dar o endereço.
São minutos de tensão para quem está em uma situação de risco – mas também para quem está do outro lado, levando o socorro a dezenas de pessoas por semana.
Sandro Pereira, 38 anos, é um dos cinco motoristas de ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em Jaraguá do Sul.
Quando chamado a uma ocorrência, ele larga o que estiver fazendo – assim como deixou nossa entrevista – para subir no veículo.
Código primeiro de atendimento significa sirene ligada. A ocorrência é grave e precisa seguir em velocidade máxima, que na regra é 90 km/h – mas em casos extremos o coração fala mais alto deixando o pé mais pesado, revela Sandro.
No código segundo é preciso agilidade e ainda se pode furar sinais. No terceiro, não há risco de vida.
Atuando há 16 anos como motorista socorrista, sendo desde 2012 no Samu, Sandro conhece bem a cidade e muitos pacientes. Para ter um mapa ainda melhor de Jaraguá do Sul na mente, ele trabalha alguns dias da semana como entregador de pizza – essa foi uma dica que recebeu anos atrás e resolveu seguir para garantir agilidade nas viagens. Assim, poucas vezes precisa do GPS.
Mais que um motorista
Domínio do automóvel e capacidade de dirigir em situação críticas. Muito além disso, um motorista de ambulância, que na verdade se chama condutor de veículo de emergência, precisa ser socorrista.
Em Jaraguá do Sul, só são contratados profissionais que tenham passado por treinamento como Bombeiro Voluntário e existem séries de cursos preparatórios para assumir o volante.
“Dirigir é até menos que 50% do trabalho”, revela. “A gente tem nossos limites. Nos bombeiros a gente faz mais coisas. No Samu é o técnico de enfermagem, você fica como um auxiliar. No trauma eu consigo ajudar mais, na emergência médica eu fico de mãos atadas por não ter o conhecimento”, comenta.
Mas mesmo em um caso médico, a presença do motorista é fundamental, afinal, a Unidade de Suporte Básico (USB), um dos tipos de ambulância do Samu, conta com apenas dois profissionais: condutor e técnico de enfermagem. Há uma só unidade dessas para atender os 170 mil habitantes de Jaraguá do Sul.
Um dia com o Samu
Na sexta-feira em que conhecemos o Sandro, ele estava no meio de seu tradicional plantão de 12 horas. No tempo decorrido já havia atendido duas ocorrências pela manhã e perdido uma paciente – uma senhora com mais de 80 anos, conhecida de Sandro pelos problemas pulmonares.
Em Jaraguá do Sul, existe uma parceria entre governo federal, responsável pelo Samu, e Bombeiros Voluntários para centralizar as ambulâncias e assim organizar o atendimento a emergências.
A USB fica no centro e a Unidade de Suporte Avançado (USA), que atende toda a região e conta com um médico na equipe, fica na sede de Nereu Ramos.
Em média, os atendimentos do Samu levam uma hora para acontecer, até porque o objetivo é resolutividade – o que significa dar suporte para a situação ser solucionada no local. Mas os casos graves, claro, são levados ao hospital.
Logo no início da tarde, um chamado para a Barra do Rio Cerro interrompeu a entrevista com Sandro. Ele nem olhou pra trás depois que ouviu o comandante abrir a porta com o chamado: “ocorrência!”.
Trabalho coordenado
Uma hora depois, mal a ambulância estava de volta ao pátio, um quarto chamado acontece na Nova Brasília – mas na hora de sair, foi constatado que uma ambulância dos bombeiros também foi chamada e já estava a caminho. A integração Samu/Bombeiros é importante.
Em todo Norte de Santa Catarina, quem liga para o Samu vai entrar em contato com uma central em Joinville. Eles recebem o chamado e repassam para o celular que fica com o técnico de enfermagem da USB. Mas antes de saírem, eles informam a central dos bombeiros justamente para evitar duplicidade.
O técnico recebe as orientações iniciais de um dos médicos reguladores que vai acompanhar todo o desenrolar da ocorrência e tomar decisões que são de competência da medicina.
Troca de turno
Era por volta das 14 horas, o técnico de enfermagem da manhã termina o turno de 6 horas e chega o profissional da tarde, Paulo Spengler – ele faz o check up de medicamentos e equipamentos.
Sandro já havia feito isso, quando começou o turno às 7 horas. Pelas 6h30 já costuma estar na sede e quando assume revisa todos os detalhes da ambulância, onde até o funcionamento da sirene é um deles. Toda uma lista precisa ser preenchida.
Passam alguns minutos e um novo telefonema chama para Três Rios do Norte. Um homem de 68 anos em convulsão, caso crônico. Os profissionais em segundos estão a postos pra sair – desta vez estou preparada para acompanhar a ambulância.
Em ocorrência
No caminho, vou seguindo o veículo à distância, afinal, não posso sair pela Epitácio Pessoa à toda. Com cautela, dou minhas aceleradas.
Dou sorte de pegar os sinais abertos e conseguir me manter a uma boa distância. Já dentro do bairro, pegamos um longo trecho em obras.
A ambulância está em código segundo, mas aciona a sirene para conseguir passar – eu ligo o alerta e vou atrás, pedindo desculpas mentais aos motoristas que nesta hora estão me achando uma babaca no trânsito.
O veículo para em uma casa de muro azul. Com destreza a ambulância se posiciona de ré, adentrando o portão.
Paulo e Sandro saltam para fora. Na sala da casa, um senhor de idade vestido com seu paletó está em convulsão há alguns minutos e não responde a estímulos iniciais.
Exames iniciais são feitos. Sandro corre para a ambulância em busca de soro e outros itens solicitados pelo técnico de enfermagem.
Paulo segue com os procedimentos, mas conforme os minutos passam, ambos percebem que não será possível injetar medicamentos no idoso que treme sem parar. Com auxílio do médico regulador através da central, decidem levar o senhor ao hospital.
Sandro já está na porta com a maca. Ele me olha e avisa: “Agora vou sair a toda”.
- Pegar o vacuo da ambulância é infração
Não posso deixar de dizer que cometi uma infração seguindo a ambulância dentro do bairro. Fiz isso para conseguir a informação e porque na profissão a gente precisa se infiltrar para passar ao leitor tudo que envolve determinada situação. Não fiz para ter uma vantagem pessoal, mas, sim, foi errado. Seguir veículo em serviço de urgência, o chamado “pegar o vacuo” em um momento em que é dada passagem à ambulância, é infração grave. A multa é de R$ 127,69 e cinco pontos na carteira.
Mais de 9 mil horas na viatura
Desde que começou a trabalhar como motorista, primeiro nos Bombeiros Voluntários, depois no Samu, Sandro Pereira atendeu mais de 7,5 mil ocorrências e passou mais de 9 mil horas dentro da viatura.
Ele até desistiu da rotina em 2012 e voltou a trabalhar na indústria. “Mas não era o que eu gostava de fazer, meu coração dizia: é aqui”.
Mas por que? Ele lembra que respondeu essa mesma pergunta quando entrou para a equipe. “É o modo mais fácil de ajudar o próximo”, ressalta.
Com dias literalmente corridos, o motorista diz que gosta tanto do trabalho que faz, que é difícil bater o cansaço. Este ocorre só em dias onde é mesmo inevitável, em que chegam a atender 12 ocorrências em 12 horas.
A distância entre deslocamentos também complica – da Barra do Rio Cerro a Nereu Ramos, ao João Pessoa, seguido de corre pro Jaraguá Esquerdo… Exaustivo.
“A gente está tanto tempo trabalhando nessa área que acaba se acostumando. A emoção sempre tem na hora. Mas quando acabou, parece que fechou uma porta e se prepara para outra, porque é muito corrido”, explica.
É preciso ter, naturalmente, essa capacidade de virar a chave e estar pronto para atender a próxima pessoa, não importa quão difícil tenha sido a ocorrência anterior.
“Mas tem muitas ocorrências que marcam a gente, sabe? Principalmente criança”, revela, contando do atendimento ao afogamento de um menino de 3 anos no bairro Rio da Luz em 2016 – duas equipes ficaram mais de uma hora tentando reanimar o garoto, mas não havia muito a ser feito.
Outro momento doloroso foi fora de serviço, mas, como diz Sandro: “A gente não é bombeiro só no dia a dia. A gente é bombeiro todos os dias”.
Ele conduziu as buscas do irmão, que sofreu um acidente junto com uma moça enquanto fazia trilha. Ela foi encontrada. O irmão não – por isso acreditaram que ele havia fugido.
Certo de que o irmão não faria isso, Sandro passou 6 horas em buscas até localizar ele, já sem vida.
“Por eu ser bombeiro, as pessoas acham que eu sou forte”, diz com tristeza na voz, relembrando o que diz ter sido o momento mais difícil de sua vida.
- Chamo Samu ou Bombeiros?
Normalmente bate essa dúvida. Tanto os bombeiros (193) quando o Samu (192) atendem emergências, mas algumas características do atendimento são diferentes.
O Samu faz parte de um programa do Ministério da Saúde e conta com profissionais da saúde, que podem, portanto, realizar pequenos procedimentos e aplicar medicamentos.
Dependendo da gravidade, quem atende é a USB, com técnico, ou a USA, que conta com um médico. Já os bombeiros não têm necessariamente formação, mas são treinados para realizar primeiros socorros e resgates em situação de risco.
No entanto, como existe apenas uma ambulância do Samu para toda a cidade, muitos casos são assumidos pelos bombeiros. Resumindo: um caso de saúde, o ideal é chamar o Samu. Resgates, acidentes com trauma, chame os bombeiros e, se for necessário, eles acionam o Samu.
Olhar humano
No dia da entrevista, quando chegamos na casa do senhor que sofria a convulsão, logo Sandro já se localizou: a família havia se mudado, mas ele reconheceu um dos parentes e saiu chamando pelo nome. Também sabia particularidades do estado de saúde do idoso.
Essas situações são bem comuns. Pacientes clínicos de longa data viram conhecidos quando se tratam de doenças crônicas.
A unidade de Jaraguá do Sul atende em média 140 pessoas ao mês, aponta a coordenadora da USB de Jaraguá do Sul e enfermeira da USA, Leila Silva Martins.
A natureza das emergências são diversas, no inverno são paradas cardio respiratórias, problemas pulmonares, mas também são atendidos muitas crises hipertensivas, hipoglicemia em diabéticos e um número de AVCs, considerado grande na região.
“Dizem que Jaraguá do Sul tem demanda [de ocorrências] maior até que Joinville pelo número de habitantes”, ressalta Leila.
Também tem os acidentes, com horários para acontecer: final do dia, hora do rush, madrugadas do fim de semana – especialmente quando acontecem grandes bailes, o que evidencia a imprudência.
Leila também ressalta o crescimento do atendimento de crises decorrentes de transtornos psicológicos, são várias por semana e sem perfil ou idade.
Sandro conta que é o tipo de ocorrência que ele se reconhece e sente abertura para atuar com positividade. Os próprios colegas admitem essa capacidade de lidar com surtos.
“Eu consigo chegar, conversar com a pessoa e, se bobear, saio de braço dados”, diz. “Eu consigo levar a pessoa com muita segurança [da situação de perigo]”.
O que que a ambulância tem?
Uma ambulância, como a dirigida por Sandro, é equipada com rede de oxigênio, prancha longa de madeira para imobilização da coluna, colares cervicais, cilindro de O2, talas de imobilização de fraturas e ressuscitador manual adulto e infantil.
Na parte traseira também fica uma mala que abriga diversos tipos de medicamentos que podem ser aplicados durante um atendimento. O conteúdo é revisado a cada troca de turno.
O veículo é um Citroën Jumpy adaptado. No painel, a única diferença são os botões que acionam a sirene e um rádio para se comunicar com a central dos Bombeiros Voluntários.
A velocidade máxima do veículo é de 156km/h, sendo que ele faz de zero a 100 km/h em até 16s. Mas, lembrando, a velocidade máxima permitida pelo Samu é 90 km/h.
Sobre o artigo que você leu
“Na Minha Pele” é uma série que vai te levar a sentir as principais dificuldades e vantagens de exercer determinadas profissões em Jaraguá do Sul. Conheça e entenda aqui o que passam pessoas que estão direta ou indiretamente presentes na sua vida.
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