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Ano, 2004, num pequeno ponto na rua Joaquim Franciso de Paula mãe e filha, Chayenne e Lúcia, preparam, noite após noite, lanches em um pequeno trailer. A clientela começa a chegar pelas 17h30, horário da saída das empresas. Depois é hora dos estudantes no fim da faculdade e do vai e vem de trabalhadores noturnos.
A rotina é pesada e nos fins de semana aproveita o movimento da madrugada na saída das baladas. A filha com 13 anos, a mãe com 44, são recém chegadas em Jaraguá do Sul.
Sem saber, Chayenne está se preparando para, 15 anos depois, agora em 2019, materializar sonhos e propósitos de vida. Mas antes desse retorno às origens acontecer, muitos caminhos foram percorridos.
Sem medo de trabalhar
Nascida em Paranaguá e criada em Caiobá, no litoral do Paraná, Chayenne Gouvea, 28 anos, começou a trabalhar cedo. Com 11 anos já era babá, cuidando, cozinhando, preparando um remedinho caseiro – herança da sabedoria da avó Josepha e da mãe, dona Lu.
A mudança para Jaraguá do Sul, em 2004, significou ajudar na rotina diária do Big Dog, trailer de lanches que a matriarca da família comandava. Chay trabalhou dos 13 aos 17 anos no local, um tempo de muito aprendizado.
“Foi bem interessante essa época, a gente caiu sem querer em um caldeirão cultural enorme”, destaca, falando dos diferentes clientes que a lanchonete teve por conta da localização. “Eu fui criada em uma família com muitos dogmas, uma cultura muito fechada, então tendo contato com essas pessoas, tanto eu quanto a minha mãe fomos abrindo os horizontes”.


A mudança na rotina de trabalho chegou na hora de cursar o ensino superior. Para poder estudar a noite, Chayenne precisava de um emprego durante o dia. Deixou o carrinho de lanches e partiu para o comércio.
A vontade era estudar biomedicina, farmácia, botânica, biologia… “Só que eu não tinha condições financeiras para cursar essas faculdades porque elas são mais caras”, explica.
Trabalhar, fazer faculdade e encontrar um emprego estável. Era isso que Chayenne procurava. O motivo era ter a tal segurança financeira para ter uma vida tranquila e também dar segurança para a família.
“Eu sou a única pessoa com ensino superior na minha casa. Eu queria que eles se orgulhassem também”, relembra.
O marketing surgiu entre as opções viáveis. Chay conta que analisou cursos em que ela se reconhecia e avaliou o que daria bom retorno financeiro a curto prazo, prevendo empregos na indústria local.


“O que estou fazendo aqui?”
Essa questão começou a rondar a cabeça de Chayenne com mais frequência por volta de 2015.
Estava formada, trabalhando em uma empresa metal mecânica em Corupá e cursando pós-graduação em gestão estratégica de negócios.
Em um ponto, o caminho começou a parecer estranho. Os conteúdos não desenvolviam, o trabalho em uma empresa muito masculina apresentava barreiras e o relacionamento ficava cada vez mais conturbado.
Movimento para mudanças
Perceber que o caminho profissional e emocional que estava trilhando não estava apresentando possibilidades de viver com prazer e plenitude é difícil. É preciso saber para onde ir.
Chayenne conta que a ligação com a alimentação consciente é muito forte na família, sempre buscando entender o que está sendo assimilado. Seja um prato de comida, seja uma informação.
“Mais e mais surgia a vontade de fazer algo que realmente fizesse a diferença. Não só na minha vida, mas na vida das pessoas”, afirma.
No meio dessas constatações. O primeiro impulso para a mudança foi sair da empresa onde tinha carteira assinada e criar uma loja virtual de produtos, a Essencial Orgânicos.
Em casa, a falta de estímulo do ex-companheiro ficava mais forte. Mas as ideias iam surgindo. Uma delas foi a receita de sorvete sem ingredientes de origem animal, totalmente vegano, que originou a Munay.
“Eu desenvolvi meio da noite pro dia. Foi uma inspiração maravilhosa”, conta.
“Eu fui percebendo que eu gostava de trabalhar com a Essencial, mas eu gostava muito mais quando colocava minha energia naquilo que eu fazia, e as pessoas provavam. Sabe quando a pessoa come assim ‘hmmm’ e vai balançando a cabeça?”, lembra, com um largo sorriso no rosto, do sentimento nas provas do sorvete.

Surge uma feira em Corupá
Para explorar ao máximo a inspiração que teve com o sorvete, ela percebeu a necessidade de um local para ter venda expressiva e mais um projeto tomou forma: a Feira Vegana de Corupá.
Foram edições ao longo de 2017 e uma em 2018, reunindo outros produtores da região e ainda contribuindo para proteção animal, através da ONG Amor Maior.


Outro propósito, promover bem estar e autoconhecimento surgiu com o projeto Despertar na Praça, que oferecia terapias e rodas de conversas gratuitas junto às edições da feira.
O público aderiu, vinham até mesmo pessoas de fora da cidade. As feiras, algo tão segmentado e numa cidade tão pequena, chegaram a ter 1,2 mil visitantes.
“Eu vi que teria possibilidade de trabalhar com isso e poderia me entregar, minha energia, tempo e dinheiro para atender essa necessidade”, comenta.
A Munay despertou a cozinheira que vivia dentro de Chayenne, e a Feira Vegana, a empreendedora. Uma mulher que sentia o prazer de levar boas receitas para a mesa aliada à consciência.
Chay percebeu, definitivamente, que era preciso deixar para trás aquilo que não a deixava seguir em frente.

Aprenda o que não sabe
“Fiz o que vinha na minha frente. Fiz o que era necessário. Trabalhei com a Munay, costurei, trabalhei em fábrica no terceiro turno. Eu saía da fábrica e ia trabalhar mais. Se precisasse trabalhar de madrugada, eu trabalhava”, conta.
Enquanto estava na labuta para ter dinheiro para o voo solo, Chayenne conta que partiu para estudos focados. Foram muitas leituras, vídeos e cursos para organizar a vida financeira.
A dificuldade vinha de algumas crenças. Vindo de uma família muito espiritualizada, para Chayanne o dinheiro era um antagonista de uma vida harmônica. Isso criava uma enorme barreira com o tema.
“Essa desconstrução teve que acontecer para eu conseguir me abrir para o recebimento. Para eu estar disposta a fazer as coisas acontecer. Porque não adianta ter ideias se você não realiza essas ideias”, destaca.
Esse período levou quase um ano entre trabalho pesado e organização do cofrinho. Com dinheiro para um ano de aluguel e matéria-prima para os sorvetes, deixou a casa de 160 metros quadrados em que vivia com o ex-companheiro, trocando por uma de 38 metros e a independência. Pouco espaço físico, mas muito espaço emocional.
“Não tinha nada na casa, só meu colchão no chão e umas sacolas onde era pra ser o closet. Mas eu sentei naquele colchão e pensei: eu estou livre. Agora eu posso fazer o que eu quiser”, conta.

Retorno à chapa
Apesar de estar bem alinhada com suas motivações, a ideia de criar o Nômade Vegan – food truck que está comandando desde março – veio da dona Lu. Na verdade, foi uma mistura de ideias.
Chay decidiu estimular a mãe a voltar às origens, a uma rotina no trailer de lanches, ao perceber a tristeza que esta ficou com a morte da avó, no final de 2018. Dona Lu se dedicava nos últimos anos aos cuidados da vó Josepha.
Com o ninho vazio e tempo de sobra, Chay começou a estimular a matriarca e planejar possibilidades. Foi então que Lúcia sugeriu: “por que não fazer com lanches 100% veganos?”.




Em seu food truck, Chay prepara lanches diversos, vende salgados como a coxinha de jaca e prepara vegan shakes. Fotos: Natália Trentini e Divulgação
“Eu sou vegetariana há 10 anos, ela está falando que eu vou falecer desde lá por não comer derivados de animais. Eu quase caí pra trás quando ela me falou, mas fiquei super feliz”, conta.
A família toda se dedicou aos detalhes para deixar a estrutura pronta. Chay conseguiu apoio da empreendedora Rejane Nunes, da Casa 42, para alugar o pátio na rua Josef Fontana, a um preço acessível e instalar o food truck.
E o retorno tem sido maior do que esperado. O que foi visto na inauguração, que reuniu mais de 100 pessoas. “Hoje a gente dá risada. Mas no dia foi traumatizante, eram muitos pedidos”, relembra.
O movimento mostrou que Chay e dona Lu precisavam de ajuda para o negócio acontecer como elas queriam, atendendo as pessoas com carinho e servindo alimentos com ingredientes de qualidade – e orgânicos, sempre que possível.
Foi então que os amigos Thais Ribeiro e Rafael Eggert, que estavam no suporte da ideia, entraram como sócios.
Alimentação com reflexão
O que dá pra fazer de bom sem ingredientes de origem animal? Sem carne? Sem leite e queijo? Sem ovos?
A resposta é uma cardápio extenso: tem shake, tem pão com bolinho, hambúrguer, brownie, coxinha, kibe, pudim, e por aí segue a lista.
Chayenne ressalta que está sendo ótimo atender ao público vegetariano e vegano, mas também têm ficado feliz por receber pessoas que mantém derivados de animais na alimentação.
“Às vezes a gente fica só perto das pessoas que pensam como a gente, a gente fica numa bolha. Acho interessante ter esse contato com pessoas que pensam muito diferente, a gente aprende com elas e ensina, e consegue agir na transformação verdadeira”, comenta.


Faça o melhor que puder
Olhando para trás, Chay destaca a importância de todos os passos. Do crescimento emocional, aos cuidados com as finanças. Cada passo foi possível porque ela buscou se fortalecer.
O importante, destaca, foi perceber aquilo que ela poderia fazer com os recursos disponíveis no momento. Chay acredita que focava demais no que não tinha, como nos grandes sonhos de ter um café amplo e aconchegante.
“Seria muito bacana ter sala espaçosa, ampla iluminada, colocar várias mesas e cadeiras. Mas eu consigo fazer o que agora? Eu consigo trabalhar em um trailer. E eu quero oferecer para as pessoas essa experiência de alimentação. Então eu vou fazer do meu trailer o local mais confortável que puder. E é isso”, finaliza.
Sobre o artigo que você leu
“Larguei tudo para…” é uma série que conta as histórias de pessoas que tomaram a iniciativa de deixar um caminho seguro para perseguir um sonho. Aqui vamos compartilhar muita inspiração, experiências, perspectivas interessantes e disrupção. Conhece alguém com uma história legal?
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