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Na rotina, o inesperado a cada esquina. Uma agenda que segue o sol, a lua e os movimentos orgânicos da natureza. A expressão artística como combustível para seguir caminhando de cidade em cidade.
É assim que o jaraguaense Jeferson de França Moreira, 29 anos, tem vivido por quase dois anos: viajando pelo Brasil, vendendo seu trabalho artístico e fluindo com as possibilidades que surgem na estrada.
Possibilidades que incluem a chegada do companheiro Ariel de Oliveira, 25 anos, do fiel cãozinho do casal, o Brasa, e, como para todos, de uma pandemia que mudou qualquer plano.
Mas para Jeferson e Ariel, acostumados a viver um dia por vez, mudar os rumos não foi problema. Após temporada no nordeste, desembarcaram em Laguna, ancorando uma base durante a quarentena, e passaram a viajar de bicicleta pelo litoral de Santa Catarina neste verão.
Sob duas rodas, com mochila, barraca e um cachorro, os dois percorreram Itapirubá, Imbituba, Ibiraquera e Praia do Rosa. Nesses lugares, várias praias, trilhas, cachoeiras, campings, lagos, hostels e estradas foram explorados.
Mas esse é o agora. Para contar melhor essa história é preciso voltar um pouquinho no tempo, mais precisamente para Ilhabela, em São Paulo.
Da imaginação para a realidade
Era abril de 2019 quando Jeferson decidiu que era o momento de viver o sonho. Ele sempre foi apaixonado por viagens, mas não no formato tradicional – queria aquela experiência de conhecer pessoas, estilos de vida, de se aprofundar na cultura de cada destino.
“Minha alma sempre me pediu por isso, até que um dia eu resolvi colocar em prática tudo aquilo que antes só ficava numa esfera imaginária e que parecia muito distante da minha realidade. Eu nunca tive medo do novo”, relembra.
Dois meses antes ele havia finalizado a faculdade de jornalismo e sentiu que era o momento de viver aquela experiência. A primeira parada foi no litoral norte de São Paulo, em Ilhabela, trabalhando como voluntário em um hostel.
Por lá ele ficou 8 meses, conhecendo as belezas naturais da ilha e muitas pessoas novas. Também levou seu trabalho autoral com o documentário Artista Livre, produzido durante a faculdade.
“Viver intensamente na ilha me preparou para seguir adiante com a bagagem de vida mais recheada com o que realmente importa. Durante as vivências a gente vai se esvaziando e se enchendo, é uma loucura, mas é real”, comenta.
E nos últimos meses dessa experiência, aconteceu um encontro desenhado pelo destino.
Nas férias de trabalho como contador, Ariel, que ansiava por viver uma experiência de viagem nova.
“Mais do que paisagens e pontos turísticos, o que tornava mágica minhas viagens, eram as pessoas e as trocas que surgiam no caminho. E para viver essa experiência, só seria possível se eu transformasse minha vida. Foi então que conheci esse estilo de vida nômade/mochileiro”, conta Ariel que escolheu Ilhabela como destino.
O que era para ser uma experiência de 15 dias para sentir o formato de viagem como voluntário, acabou sendo um chamado para realmente embarcar nessa transformação de vida.
“Me senti tão cheio de mim e realizado, que tive certeza que era essa vida que eu queria levar. E no primeiro dia que cheguei em Ilhabela, conheci o Jeferson. Tudo foi inesperado e tão mágico, que parecia que eu estava há meses vivendo tudo aquilo”, relembra.
Voltando para casa, Ariel decidiu sair do trabalho, vender as coisas e seguir viagem para Portugal em março de 2020. Como a passagem tinha origem da cidade de Recife, resolveu passar o fim de ano viajando pelo litoral e em dezembro retornou a Ilhabela para rever o Jeferson.
De lá eles seguiram juntos, optando por formas acessíveis de pegar a estrada: de carona, acampando, trabalhando como voluntário, usando couchsurfing e outras ferramentas.
Criações e rumos inesperados
A viagem começou meio sem destino, mas eles contam que o litoral fez seu chamado e começaram seguindo pelo Rio de Janeiro por Cabo Frio, Arraial do Cabo, Macaé, Campo dos Goytacazes chegando em Vitória, no Espírito Santo.
Nesse meio tempo teve camping em dunas de areia, subir ladeiras com 10 quilos de bagagem nas mochilas, camping em posto de gasolina, caronas, e outras muitas histórias.
Foi por aí que surgiu o projeto Rabisco Trips, uma produção de cadernos totalmente artesanais com papel reciclado e capas personalizadas, desenhadas à mão.
Ariel e Jeferson contam que era uma forma de ter um capital, vendendo as produções a cada parada, mas também uma forma de expressar e materializar experiências vividas ao longo desse percurso.
E o mapa seguia sendo percorrido com a chegada na Bahia, Arraial D’Ajuda, no dia 2 de fevereiro, Dia de Iemanjá, onde ficaram por 10 dias, na sequência Trancoso, onde trabalharam voluntariamente em um hostel.
Na sequência veio Caraíva, Porto Seguro e Itacaré. Quando saíram da cidade para Salvador, ouviram falar do primeiro caso de Covid-19 no Brasil – mas naquele momento, nada que parecia com potencial de paralisar os planos.
Quarentena na estrada
A chegada em Salvador veio com o fechamento de todos os estabelecimentos. Como eles haviam garantido um período de voluntariado, conseguiram permanecer por ali, mas foi hora de rever todos os planos.
“Nesse tempo tivemos que mudar o formato da viagem, e nos reinventar com o projeto para decidir se continuamos viajando ou não. Foi nesse período que nos dedicamos a vender os cadernos online. Mudando abordagem, criando mais conteúdo e buscando parcerias. Nosso feed passou a ser a nossa vitrine para exposição e interação com nosso público”, contam.
O casal ainda seguiu para João Pessoa, onde ficaram com uma amiga, mas perceberam que era hora de encontrar um lugar para “ficar em casa”.
Como bons filhos do mar, quem chamou foi a praia mais uma vez. Encontraram em Laguna uma casinha pelo do Farol de Santa Marta. Os dois estão por ali desde junho.
Durante o período de recolhimento, eles fortaleceram ainda mais o trabalho com os scketbooks.
E nesse meio tempo, numa noite de lua cheia, enquanto faziam uma fogueira em casa, chegou o Brasa. O cachorrinho, ainda filhote, foi abandonado perto da casa deles.
“O Brasa surgiu trazendo vários questionamentos: como iríamos viajar com um cachorro no final do ano? Se antes, em dois já exigia muito de nós, imagina com um dog? As respostas foram surgindo…”, conta o casal, que logo já estava preparado para viajar com as bicicletas adaptadas.
“O que a gente não esperava é que ele fosse crescer tanto”, contam, rindo.
Mas o fiel companheiro tem acompanhado o Jeferson e o Ariel nessa tour pelo litoral, um cão mochileiro por natureza. Os desafios de mobilidade e deslocamento eles têm encarado de frente, sem nenhuma pressa.
Prioridade: viver a vida livremente
Terminar a faculdade, fazer uma estágio, seguir carreira, comprar um carro… Essa é a história de vida normalizada para os 20 e tantos anos. Mas existem outras formas de viver, ainda que pouco compreendidas socialmente.
Estabilidade não é algo que o Jeferson, nem o Ariel, têm como prioridade, muito menos bens materiais.
Como bem precioso, eles têm tempo para viver experiências que trazem aprendizados impossíveis de serem reproduzidos em outras circunstâncias. São saberes da vida.
“Nossas famílias mesmo, demoraram para entender que tudo que estamos vivendo é uma questão de escolha, de desapego, de aprendizado. Nós fazemos nosso corre, freelas, vendemos sanduíches, cadernos, fotos, histórias, fazemos arte. E ao mesmo tempo, vivemos a vida do jeitinho que a gente sempre quis”, comenta Jeferson.
Ele complementa que o propósito é evoluir muito além do financeiro, mas ter uma evolução como ser humano.
“Precisamos sempre ser úteis para o sistema, caso contrário, você perdeu na vida. E na verdade, essa opressão limitante me fez me perder dos meus propósitos, da minha essência”, reflete Ariel. “Viajar tem me despertado tantas coisas, tantos potenciais e habilidades que eu jamais imaginaria desenvolver. Hoje, nós temos planos e anseios, mas tudo é livre e fluido. Um dia de cada vez”.
Nesse tempo todo de estrada, comenta Ariel, nunca faltou nada e sempre foi possível seguir caminhando.
As lições da estrada
Pela página do Instagram da Rabisco Trips dá para acompanhar muito das viagens do Jeferson e do Ariel. Ali, eles encontram um canal para falar de todos os assuntos que se conectam a esse estilo de vida: arte, simplicidade, relações humanas, coletividade e sustentabilidade.
Viver de forma mais humilde, no ritmo da natureza interna e externa e estando abertos para aprender com as pessoas que chegam, aponta Jeferson, traz leveza para a vida.
“Não lembro quem, nem onde, mas bem no início da minha viagem alguém me disse que ‘agora que a minha faculdade estava começando’ e essa pessoa estava muito certa. Por todos os lugares que passamos estive na posição de aluno e professor, simultaneamente. Ninguém vai a lugar nenhum sozinho, e eu só agradeço por deixar e receber um tanto, do todo”, pontua ele.
Ariel complementa destacando o quanto estar na estrada e em contato com pessoas novas faz tudo se transformar com muita intensidade.
“O aprendizado mais marcante pra mim, foi quando eu percebi a falsa ilusão do controle. Viajar é viver no presente. Não sei onde vou estar amanhã, onde vou comer, quem vou conhecer, onde vou acampar. E quando estamos inseridos no sistema somos sempre incentivados a viver o amanhã, o fim de semana, as férias, o futuro, a aposentadoria. Mas, é ilusório. No final, ninguém sabe”, reflete.
Como o sonhador que desperta para viver o sonho, é no agora que eles decidiram estar. Os desafios e alegrias, encarados com a leveza de quem aproveita como presente tudo que a vida tem para dar. Um dia de cada vez.
Sobre o artigo que você leu
“Larguei tudo para…” é uma série que conta as histórias de pessoas que tomaram a iniciativa de deixar um caminho seguro para perseguir um sonho. Aqui vamos compartilhar muita inspiração, experiências, perspectivas interessantes e disrupção. Conhece alguém com uma história legal?
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