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Não é noiva. Nem o noivo. O atraso faz parte. Celebrações entre haitianos dificilmente começam na hora ou tem prazo para terminar. E claro que isso também acontece na hora dos casamentos.
O convite foi para 17 horas, mas passados 45 minutos ainda tinham convidados chegando para participar da união de Wilto André, 27 anos, e Katia Prophete, 28, no chuvoso sábado de 9 de novembro, na Igreja Batista Vida Nova, no centro de Guaramirim.
O noivo já andava entre as mesas da sala principal da igreja conversando com os convidados que estavam por ali – estava com um carrinho de brinquedo nas mãos para disfarçar o nervosismo.
A noiva ainda se arrumava num quarto logo atrás da igreja. Os únicos que pareciam olhar os relógios eram os convidados brasileiros.
Tudo decorado em rosa vibrante, a pedido da noiva. Os detalhes são arrumados pela própria comunidade. Cada um dá um pouquinho para que a celebração aconteça da melhor forma possível, afinal, todo mundo vai virando família.
Novos casais
O pastor Rudi Sano conta que esse é nono casamento realizado dessa forma. Isso porque a igreja reúne cerca de 80 haitianos pelo Centro de Apoio a Refugiados e Imigrantes, o que naturalmente levou a essa proximidade.
Há 6 anos a parceria começou quando alguns vieram participar da comunidade e então veio essa motivação para realizar um culto na cultura e língua do país. “A gente sempre imagina que Deus fala a nossa língua. Mas Deus fala haitiano, fala português”, comenta o pastor.
E os cultos semanais começaram a acontecer, realizados por lideranças religiosas que surgiram entre os haitianos, um deles o próprio Wilto que agora estuda teologia.
“Foram surgindo os namoros e alguns trouxeram namoradas, noivas que estavam lá, e então a gente foi fazendo as cerimônias de casamento e já nasceram aí uns cinco bebês, uns ‘brasilianos’”, comenta Rudi.
Profecia de amor
Wilto e Katia foram o nono casal de imigrantes haitianos a subir ao altar da igreja. Mas como cada um, eles chegaram até ali com uma história única. A deles começa no Haiti.
Wilto foi o primeiro a chegar aqui, em 2013, sem nem saber que iria ver Katia de volta. Mas a vinda dele foi relacionada, de alguma forma, com a breve história que tinham vivido no país.
O jovem, que já domina o português, conta que dois anos antes de encarar a mudança ao Brasil, houve uma grande mudança de vida.
Ele nasceu em uma família sem religião e a irmã foi a primeira a se converter ao cristianismo. Wilto conhecia Katia há um tempo da vizinhança e um dia falou de seu interesse, mas para ela, de família cristã, não estava nos planos se envolver com alguém sem religião.
O tempo passou, a conversa com Katia ficou mal resolvida, até que aconteceu essa virada de chave para ele. “Deus, acho que é a melhor coisa que aconteceu na minha vida, porque trabalhou dentro de mim. Mudou o jeito de pensar, jeito de agir”, diz.
Na época, o Haiti ainda estava sofrendo com os problemas decorrentes do terremoto de 2010 que causou a massiva migração, mas essa realidade não chegava a afetar a rotina de Wilto, que estava numa situação social mais favorável. Mas aí, conta ele, veio um chamado.
“Uma mulher trouxe uma profecia para mim: ‘você tem cara de pastor. Você faz passaporte porque Deus vai mandar você para o estrangeiro’. Eu não queria sair do meu país. Mas quando Deus fala, não é a gente que decide, é ele que vai dar a oportunidade e o momento”, afirma.
Mas ele não acreditava muito nisso, até que em 2013 a tia repetiu “a profecia”, dizendo que ele deveria “levar o evangelho em um país estrangeiro”. Foi aí que surgiu o ímpeto da mudança, que acabou sendo para o Brasil.
“Nas minhas orações eu pedia para Deus: quero uma cidade pequena onde o evangelho está morto para eu poder levantar a palavra. Quando eu passo na rotatória da verdureira do Alemão, escuto uma voz: ‘é aqui mesmo’”, lembra.
Para ele, a missão era reunir os haitianos aqui da região em comunidade, o que vem acontecendo. E toda essa jornada, no fim das contas, fez a Katia querer saber como estava Wilto – que agora estava no caminho que ela gostaria de trilhar em um relacionamento.
Em 2016 eles voltaram a se falar pela Internet, mas ela ainda estava terminando a faculdade de ciências contábeis e ele o curso técnico de mecânica – o que impedia qualquer viagem para um encontro.
Mas a espera foi cumprida, e haitianos provam ter muita paciência. Há cerca de 15 dias ela desembarcou no Brasil, confiante da vida que quer compartilhar com Wilto.
Em comunidade
Com a missão de criar um lar para os imigrantes que chegam na região, a conexão do pastor Rudi com Wilto acabou acontecendo, e na igreja Batista o jovem acabou ganhando espaço para pôr em prática esse chamado, além de todo amparo que o centro de apoio oferece com colocação no mercado de trabalho, aulas de português e outros aspectos que vão além.
E é essa união que tem feito momentos tão especiais como casamentos acontecerem. Algo que eles vivenciam com muita, muita alegria.
“Nós, brasileiros, a gente olha no relógio, tem coisa para fazer, é sempre aquela coisa meio cronometrada. Os haitianos não. eles vem com tempo mesmo para participarem e vivenciarem aquilo. É mais intenso”, comenta o pastor Rudi.
Tudo acontece com muita simplicidade. A comunidade se reúne para enfeitar a igreja, comidas típicas são preparadas, o bolo dos noivos, e, depois do culto, o banquete acontece ali mesmo, onde eles começam a criar um novo lar.
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