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Quem sobe o Morro da Boa Vista tem sido contagiado por cores e formas pintadas em um muro da vizinhança. De uma simplicidade e beleza, a criação espontânea de Romeu Viana mostra como a arte consegue despertar sorrisos e emoções.
Basta ele estar com as latas de tinta e pincéis a postos que até os motoristas mais desavisados percebem o arco-íris entre os tons da cidade. As crianças, mais atentas, têm até narrado as novidades que aparecem na parede.
A ideia de pintar o muro surgiu em uma conversa com a vizinha e exprime muito da energia desse nordestino que vive há mais de 10 anos em Jaraguá do Sul.
Romeu Viana gosta de fazer a arte acontecer nos lugares menos prováveis, num ímpeto de contagiar como a luz do Sol, ao qual ele tanto se refere.
“O artista quer ser visto, apreciado e quem sabe deixar uma mensagem positiva. Para alguém ver e sentir uma paz, sentir alguma coisa, porque aqui é tudo tão simétrico, tão concreto, tão cinza”, diz. “Eu quero passar uma coisa colorida para eles abrirem a íris um pouco mais”.
A intervenção urbana começou a ser feita há alguns meses. Viana juntou algumas latas de tinta que estavam para vencer e passou a criar o desenho.
Todo fim de semana, tem se dedicado a isso, acrescentando alguns detalhes e curtindo a brincadeira – que para ele não precisa ter hora para acabar.
Poeta até na fábrica
O artista que se dedica a deixar a cidade mais colorida já tem uma boa história por aqui. Romeu desembarcou em Jaraguá do Sul em 27 de dezembro de 2010, depois de cansar da vida em São Paulo.
Tinha ido pra capital anos antes e feito de tudo, de trabalhador da construção civil a recenseador do IBGE. Mas ele é natural de Juazeiro do Norte.
E foi bem o nome da terra Natal que o fez prestar atenção no nome Jaraguá do Sul na rodoviária. Era sua ponte do Norte para o Sul.
E assim, com espírito meio nômade que diz ser natural do nordestino, comprou uma passagem para cá sem nunca ter ouvido falar da cidade.
Em poucos dias por aqui distribuindo currículo. Logo ficou sabendo da maior empresa da cidade e conseguiu uma vaga.
“Quando eu cheguei para perguntar onde era o recrutamento, bem na portaria do Bradesco, vinha saindo um cara com aquela roupa da WEG. Eu disse: ‘moço, nessa rua aí tem uma empresa chamada WEG?’ O cara me olhou de lado, do pé a cabeça”, lembra, aos risos. “É tudo WEG”.
Aos poucos ele foi percebendo o ritmo interiorano da cidade e percebendo que não havia uma pluralidade de espaços culturais.
Vindo de São Paulo, estava acostumado com movimentos de arte de rua, exposições e toda a efervescência da capital.
Desde menino Romeu tinha uma aptidão natural para a arte, que foi nutrida por um projeto cultural que frequentou dos 12 aos 16 anos. Fez inúmeras oficinas que o tornaram um multi-artista.
Mas aqui, sentia falta de abertura para mostrar essa arte. E logo constatou: “O pessoal aqui não absorve arte. O que eu tenho que fazer para mostrar meu trabalho aqui? Aí eu comecei a ver, a cidade respira WEG. Então eu tenho que mostrar meu trabalho inicial lá”.
A história começou em uma reunião. No final, abriram espaço para os colaboradores falarem e foi Romeu, que pediu para ir na frente da sala fazer as considerações e aos poucos começou a emendar com poesias.
“Era a coisa do doido nordestino. O pessoal até ficava esperando. Mas era isso, eu precisava mostrar minha arte num lugar que não absorve arte. Até por querer trazer uma visão bacana para cá”, diz.
E assim, as participações espontâneas dele começaram a ser reconhecidas. Romeu foi convidado a participar de treinamentos na empresa, levando temas interessantes, cotidianos, de forma criativa. O que cativava o público.
Ao todo, ele chegou a palestrar para mais de 8 mil pessoas dentro da empresa, de trabalhadores a sócios da multinacional. Também escreveu a poesia de 50 anos da WEG.
O alvo de Romeu foi atingido, ele passou a ser mais conhecido na cidade, tendo inclusive conquistando espaço para expor no shopping e Museu Emílio da Silva.
Mas acabou deixando as palestras de lado por perceber que a rotina industrial estava, pouco a pouco, tirando seu foco cultural.
- Gibão de Papel
O nome artístico que vem exprimindo esse trabalho, “Gibão de Papel”, conversa com as vestimentas dos cangaceiros nordestinos, que usam jaquetas de couro chamadas gibões, e com a beleza da literatura brasileira.
“Eu, para me proteger das coisas contrárias do universo, eu uso a literatura, especialmente a literatura de cordel. É o meu Gibão de Papel”, define.
Inspiração na vida e na natureza
Compor música no violão, tocar cavaquinho, entalhar madeira, soldar, fazer esculturas em madeira e metal, pintar telas, escrever cordel, poesias, são algumas das formas que Romeu Viana encontra de exprimir seu espírito inquieto.
A poética da vida está presente em todas as obras dele, seja no quadro da borboleta sobre o hibisco, seja na pequena escultura de um trabalho sobre uma moeda de 25 centavos.
Para Romeu, o que se tira da vida é o que se vive dela, então o objetivo é mostrar as expressões artísticas e ser reconhecido por elas.
Segundo ele, é algo que vem fazendo com o andar da formiga – que por coincidência foi sua primeira criação, em arame, aos 8 anos de idade.
E a inspiração para produzir, vem da força da natureza em si. Dos momentos singelos, mas cheios de significado e da capacidade de ver magia por todo lado.
“Um dia desses eu tava ali fora, onde sento, pego meu sol, vitamina D, e toco meu violão. Ali tem uma rocinha da vizinha, que tem uma florzinha amarelinha, não sei se é umas margaridinhas, que flor que é, e tinham umas borboletas sobrevoando. Umas amarelas, umas azuis, toda cor de borboleta, umas borboletas pequenininhas. Eu sentado com meu violão parei na hora de tocar e fiquei olhando as borboletas voando com aquelas cores, e na hora me veio na cabeça: um momento de eu criança no sítio da minha vó, brincando com meus irmãos e meus primos, correndo naquelas matas, brincando e comendo fruto que a gente achava maduro”, conta.
“Parecia que nós éramos aquela borboleta. então a maneira que eu pinto a natureza, as pessoas estão vendo o que elas acham e eu to vendo eu e meus irmãos no pé de siriguela”, conta, com emoção e bom humor.
Dessa visão singela, surgiu a vontade de retratar no caminho da Chiesetta Alpina e do Morro das Antenas, uma cena que conversa com a vida humana: a lagarta que vira borboleta, a cerejeira que floresce poucos dias por ano.
A quem sobe a estrada para observar a dimensão da natureza, rezar e contemplar o horizonte, que esse caminhar não seja em vão. Aceitemos o convite de Romeu Viana para apreciar as metamorfoses da vida, encontrando nossas asas e apreciando o momento presente que é tudo em si.
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