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Deixar o espaço onde esteve, por 17 anos, agitando a vida noturna de Jaraguá do Sul não foi fácil para Luiz César da Silva. Mas como um bom otimista, que diz transformar em deliciosas caipirinhas até o limão mais azedo, a vida seguiu cheia de novas ideias.
Do endereço gravado no coração dos jaraguaenses pelas noitadas na Notre Dame, ou melhor, na Notre, o empresário abriu uma churrascaria e depois movimentou um espaço na João Planincheck, que até hoje é ponto de festa. Mas chegou a hora de parar.
“Era um período mais difícil, uma transição de ritmo. A noite ela é muito dinâmica. Muda muito. Veio o sertanejo, ficou o eletrônico, e não era muito a minha praia”, comenta César.
A saúde também falou mais alto. Ele mesmo brinca que está fazendo hora extra por aqui depois do quarto infarto.
“Na noite você fuma, você bebe, se emociona muito, você se doa demais. E os horários não são nada convencionais para um cardiopata”, conta rindo, com muito bom humor.
A ligação com “a noite” ficou reduzida a dois eventos realizados por ano, em parceria com amigos, os revivals Marrakech/Notre que acontecem no Baependi ou no panorâmico da Scar – como é o caso do próximo, marcado para setembro.
Ao perguntarmos “Como vai você?” a nosso entrevistado, César conta que os ventos e conexões o levaram para uma rotina bem diferente: hoje atua como chefe do gabinete do deputado federal Fábio Schiochet em Jaraguá do Sul.
“Não sou político, sou um eleitor crítico”
César é responsável por coordenar a agenda, receber demandas e organizar aspectos da rotina do deputado. Ele atua junto com outros três chefes de gabinete: um localizado em Brasília, no Congresso, e outro em Florianópolis, no diretório do PSL – uma vez que Schiochet é presidente do partido no estado.
Apesar de tão inserido no trabalho político, César conta que esse caminho aconteceu por acaso. O empresário conta que entrou na campanha no ano passado a pedido do pai do deputado, um amigo de longa data.
“Eu fui para ajudar o filho de um amigo e acabei gostando. Foi a amizade, o sentimento de mudança”, comenta. “Chego a pensar que eu deveria ter me envolvido antes, ou a minha geração ter se envolvido antes com a política. Talvez o país não tivesse onde está se a gente não tivesse se omitido de política”.
Apesar do alinhamento com o partido, César reafirma que “não é político”, mas um eleitor crítico.”Nunca tive participação em nenhum partido, nada, foi a primeira vez, depois de 64 anos”, conta.
Com os fim das eleições e Fábio eleito, César sentiu o dever cumprido dentro do que tinha proposto. “Mas aí o pai do deputado disse: ‘Se você aceitar, sua missão começou agora’. Eles precisavam de alguém para dar apoio e conduzir ele. Queriam se cercar de pessoas de confiança”, ressalta.
Por conhecer Fábio Schiochet desde criança e sentir a possibilidade de estar à serviço da comunidade, “lutando por uma causa”, César aceitou o convite.
“Esse relacionamento que tenho na cidade e região, que vem da noite, me tornou uma pessoa acessível. Tenho o respaldo da comunidade e posso transmitir para ele as faltas, as reclamações. Sou o cara da comunidade, um eleitor crítico, não me considero político. Político ele é, eu sou um assessor”, afirma.
“Minha vida foi uma festa”
É até difícil acompanhar o ritmo de César Silva através do tempo. Foram várias casas noturnas na cidade, empreendimentos e atividades. E tudo com o ímpeto de trazer alegria para as pessoas.
“E eu tentei produzir, sempre, o máximo de alegria, de festas, onde você pudesse desestressar da semana inteira. Porque Jaraguá é uma cidade muito trabalhadora, uma cidade muito focada no trabalho. Diante disso eu via a necessidade de ter uma válvula de escape”, recorda.
O trabalho nessa área também era um reflexo forte da própria personalidade de César, uma pessoa que gosta de festas e de música. Essa paixão o motivou, com o passar dos anos, a acompanhar os movimentos constantes.
“Na época que eu comecei, isso já se passam 40 anos. Eu fiquei 32 anos na noite diretamente ligado com casa noturna. Isso não me deu nem maior, nem melhor conhecimento do assunto. A noite é muito dinâmica, então o que era no passado, não é hoje”, ressalta.
Por isso mesmo, César teve várias casas, que iam mudando as propostas conforme o público pedia coisas novas. Mas tudo começou no início dos anos 80, com o Motódromo Getúlio Barreto da Silva.
O local trazia pessoas de todo estado para as provas de velocidade e havia um casarão no local. O espaço foi todo reformado para que pudessem acontecer festas, com DJs, e dali César não parou mais.
“Eu deixei meu legado na noite”
César Silva, nascido em Florianópolis, mas vivendo desde o primeiro ano em Jaraguá do Sul, é um apaixonado pela cidade. Marido de Raquel e pai de dois filhos, fica orgulhoso por ter deixado um legado na noite, e o nome mais proeminente dessa história é Notre Dame.
E não é à toa: o palco do clube localizado no memorável prédio rua Emílio Carlos Jourdan recebeu O Rappa, Paralamas do Sucesso, Engenheiros do Hawaii, Charlie Brown Jr., Biquini Cavadão, Cidade Negra, Capital Inicial, e por aí vai a lista.
Registro dos shows com Pato Fu, Raimundos, Biquini Cavadão, Tihuana, Dudu Nobre e a atração internacional Outfield
A Notre também produziu shows que ficaram marcados na história, como a vinda dos Mamonas Assassinas em 1995, que foi realizada no Estádio João Marcatto para dar conta do público.
“Eu lembro de dois anos seguidos que a gente fez em Jaraguá, durante o ano inteiro, mais shows do que Joinville e Blumenau juntos. Eu devo ter feito, eu não posso estimar com total precisão, mais de 700 a 800 shows nacionais”, acredita.
Nota de coluna social, o ingresso e cartaz do memorável show promovido na cidade
Essa efervescência garantiu contatos sólidos com os empresários das bandas e muita confiança, já que todos os contratos eram seguidos à risca – algo importante dentro do segmento. “Nunca tive falhas”, ressalta César.
“Houve um período bem grande de trabalho que eu tinha uma afinidade tão grande com os empresários, que quando eles desciam para o Sul, eles ligavam para mim: ‘César, eu tenho tal data livre, vamos fechar?’ ou ‘essa data furou’”, conta. “A gente fazia pela portaria, eles ficavam com 50% da porta e eu com o resto. Era desse jeito que eu conseguia produzir tantos shows, porque você não tem o custo fixo que pode te levar ao prejuízo”.
Além de ter uma agenda de contatos poderosa, César conta que estava sempre atento e investia constantemente na estrutura para reinventar, melhorar, trazer novidades e se adaptar a realidade de cada momento.
“Houve um período que eu tive uma concorrência muita forte do Big Bowling. Então ele passou a pegar esse momento de show e fazia toda semana. Eu não tinha como bater de frente e comecei a trabalhar festas temáticas”, relembra.
Desafios da noite
Bons contatos, uma agenda dinâmica. Tudo isso era bem importante, mas César diz que o principal era a motivação para trabalhar.
“O momento mais bacana na minha casa noturna não se define em um único, mas em cada ocasião que eu abria a casa. Toda noite de evento eu tremia, ficava tenso, nervoso, ansioso. Isso chama-se tesão pela coisa”, conta.
Ele era metódico: 11 horas da noite as portas sempre estavam abertas. Antes disso, sempre havia uma reunião com a equipe e a orientação era clara: “tratar todo mundo como você gostaria de ser tratado”.
“Deus não dá todos os predicados a uma pessoa só e tão pouco você conduz uma casa sozinho. É uma equipe, eles te representam. São detalhes que são importantes”, revela.
A rotina na promoção de eventos é desgastante, pedindo uma semana inteira ou mais de trabalho e contatos para abrir as portas na sexta-feira e no sábado. Eram sempre semanas de dedicação para garantir que aquelas horas fossem excelentes, mas nem sempre havia o público esperado.
Era preciso manter a cabeça no lugar e saber administrar todos os momentos. César ressalta que a festa precisava ser boa para cinco pagantes ou para os 2 mil que cabiam na casa.
“Eu costumo dizer que essa nova geração é tão rápida que na primeira pedra abandona o barco e compra outro” comenta.
“A vida inteira tem momentos ruins, que você tem administrar, e os bons que você tem que curtir. A vida é feita para ser vivida e não sofrida”.
Momentos de reconhecimento
César conta que deixar o espaço onde era a Notre, na época onde clube já tinha passado a se chamar Deep – acolhendo a tendência da música eletrônica – foi “pesado”. O local, que havia sido preparado com muito carinho e tinha história, fora comprado em um leilão pelo Shopping Breithaupt, que tinha a área integrando parte de seu plano de expansão.
O empresário lembra de um dos shows dessa reta final, com o Biquini Cavadão.
“O vocalista naquele dia estava inspirado. Disse que era o melhor show que ele já tinha feito. Ele estava com o domínio muito grande do público. Mandava o público abaixar, abaixavam as 2 mil pessoas, todo mundo, depois pulavam”, lembra. “Algum tempo depois ele comentou desse show de Jaraguá do Sul em uma entrevista feita em São Paulo”.
Com o front man do Engenheiros do Hawaii, Humberto Gessinger, outra alegria. César recebeu de presente uma coletânea homenageando a carreira da banda, com um encarte sobre a história.
“Que grata surpresa quando abro o meio do encarte e vejo a foto de um show no meu palco, da Notre, com o símbolo bem grande atrás. Tava a Notre ali, no encarte do material deles. Que honra”, destaca.
- Origem do nome Notre Dame
Quem se questiona sobre a origem do nome de uma das baladas mais lembradas da história de Jaraguá do Sul terá sua resposta agora. Depois de encerrar o Caesar’s Clube e na construção do novo prédio, a inspiração veio durante um almoço de família.
“O nome Notre tava na cabeça do meu filho, num boné, escrito ‘Notre Dame’. E não era da catedral e sim de um time de basquete dos Estados Unidos”, revela.
Gerações em festa
Apesar do profundo vínculo com a atividade, César nunca se prendeu muito a essa título de produtor de eventos. Nos meios tempos entre uma casa noturna e outra trabalhou como gerente da Marcatto Imóveis, abriu uma churrascaria…
“Eu gosto de festa, minha vida foi uma festa. Mas eu me imagino fazendo qualquer coisa. Eu me adapto muito fácil e muito rápido em tudo”, pontua. “Mas eu acredito também que, na vida, você não deve aprender a gostar do que faz, você deve fazer o que gosta”.
Festa Brega, Noite de Halloween, Noite de Preto, Noite do Inverso, Festa do Pijama... Diversidade de temas garantia a diversão da galera
E César gostava de alegrar pessoas. Tanto é que se orgulha em ressaltar que proporcionou momentos de festas para diferentes gerações.
Nos últimos anos, recebia filhos e até netos de clientes que acompanharam seus primeiros anos. O sentimento era de confiança. “Eles traziam as filhas e deixavam para buscar 3h da madrugada. Quando iam buscar ainda tomavam uma comigo”, conta.
Da mesma forma, cansou de colocar clientes que estavam sem grana no fim do mês para dentro da casa. César diz que se sentia na pele das pessoas que queriam poder se divertir.
Esse clima, até familiar, em que todos se conheciam e se respeitavam, ajudava a manter a alegria sempre como principal objetivo da noite.
Nutrindo coisas boas
Mesmo com os altos e baixos, ter alcançado uma vida estável e ainda ter marcado a história da cidade são motivos de satisfação para César Silva.
Os fatores para essa caminhada bem sucedida, afirma ele, foi a relação familiar, desde com seus pais, agora com esposa, filhos e netos.
“Pessoas do bem conseguem levar para outras pessoas coisas boas. Isso se você tem uma base boa, uma base sólida. Eu nunca fui um cara de estudar muito, nunca fui um bom aluno, a vida me ensinou bastante. Mas a minha família foi a minha base”, finaliza.
Sobre o artigo que você leu
“Como vai você?” é uma série sobre o reencontro com personagens que se tornaram conhecidos em nossa região. São pessoas de quem lembramos vez ou outra, e agora queremos chamar para bater um papo e saber como estão. Você tem um nome para sugerir?
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