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Poucos sabores levam a uma viagem por recordações como aquele gole em uma Laranjinha recém aberta. Essa afetividade com o sabor é forte na região e não poderia ser diferente: o refrigerante faz parte da rotina de muitas pessoas há décadas, mais precisamente desde 1940.
A criação da então chamada “gasosa” foi uma das acertadas apostas da Max Wilhelm, que nesta época estava em franco crescimento em uma Jaraguá do Sul com estradas de barro no centro.
Mas nesse cenário rural, na rua que anos mais tarde receberia o nome da marca, já estava a fábrica de bebidas. A lembrança e os imponentes prédios ficaram como marco dessa época.
Já a marca em si segue na ativa e tendo a Laranjinha como grande estrela até hoje. Desde 1996 a empresa está concentrada em Blumenau, comandada desde 1979 pela família Greuel.
Fazendo refri no interior
A história de fabricação das bebidas gaseificadas em Jaraguá do Sul, os refrigerantes, começou antes mesmo do imigrante alemão Max Wilhelm chegar a cidade.
O empreendimento começou pelas mãos de Johanes Theodoro Tiedke nos anos 1910, uma pequena fábrica de refresco de limonada.
As referências históricas são do pesquisador Emílio da Silva. Os arquivos contam que Tiedke era casado com Bertha Gritzner, filha adotiva de Wilhelm Walter – proprietário da segunda cervejaria do município. Talvez daí veio a ideia de produzir bebidas.
A empresa seguia com suas atividades quando em 1923, Moritiz Max Wilhelm chegou na região com a esposa Martha e o filho Geert, vindos da alemanha. Ele encontrou dificuldades para conseguir emprego por não falar português até que bateu na porta de Tiedke.
O proprietário, com certa idade, buscava um jovem para tocar as atividades da empresa. Por 80 mil réis mensais e uma casa para morar, Max Wilhelm aceitou a proposta e começou a se dedicar no serviço braçal.
Contam os registros de Silva que a fábrica produzia 600 garrafas por dia nesta época, atendendo a demanda e sempre procurando inovar devido a concorrência.
Virando Max Wilhelm
Em 1925, o empreendedor alemão comprou definitivamente a fábrica. Durante os dois anos anteriores, Tiedke já havia se afastado por motivos de saúde e alugado as instalações para o funcionário.
Max queria crescer, havia comprado o inventário de um empresa de gasosas de Corupá e começou a ampliar a fábrica. Toda a região era abastecida pelos refrescos.
A fábrica também engarrafava vinho tinto, cachaça e revendia produtos da Cervejaria Catarinense.
Surge a Laranjinha
A empresa seguia com as atividades e crescia ano a ano quando foi criado o refresco que se tornaria uma das marcas registradas até hoje. Entre 1939 e 1940 chegava ao mercado um refrigerante a base de suco integral de laranja, chamado Laranjinha.
Integrante do setor administrativo da empresa até 1977, Raul Drissen, hoje aos 78 anos, lembra que a invenção da receita partiu do próprio Max Wilhelm, por conta da grande quantidade de laranja que existia na região.
O suco era extraído pela Reunidas, atualmente a gigante Duas Rodas, da safra de agricultores da região.
Depois, conta Driessen, a produção cresceu tanto que não havia matéria-prima suficiente e o suco passou a ser trazido de Bebedouros, interior de São Paulo, região que até hoje é um dos principais exportadores da bebida no Brasil.
Na lista de produção existiam as gasosas de limão, laranja, abacaxi e framboesa que eram feitos com aromatizantes artificiais. A entrada da Laranjinha também exigiu um sistema de fabricação diferente por conta da composição natural.
Drissen conta que o refrigerante era engarrafado e depois passava pela pasteurização – um processo que destrói microorganismos maléficos ao ser humano – para garantir a durabilidade por cerca de um ano.
Registros de Emílio da Silva relatam que a industrialização da Laranjinha foi uma “verdadeira odisséia para os titulares da empresa, dada a falta de aparelhamento industrial específico”, afinal de contas, era o fim da década de 30.
A bebida também inovou ao ser distribuída em mini-garrafas de 200 ml, o que garantiu muito sucesso para as vendas e impulsionou a instalação de máquinas semi-automáticas para lavar e envasar 3,5 mil garrafas por hora.
“Os produtos eram distribuídos em boa parte do estado de Santa Catarina”, comenta Drissen.
Muitos setores
Em pleno vapor, Drissen estima que a fábrica chegou a empregar entre 180 a 200 pessoas.
Ele estima que cerca de 15 a 20 caminhões passavam por ali por dia. Era o vai e vem dos veículos em busca dos pedidos que movimentava a área.
Em vídeo de 1948 sobre a cidade, filmado por Wilhelm Gericke, a empresa foi um dos destaques mostrando o engarrafamento da já famosa Laranjinha.
A oficina própria dentro da fábrica para reparar a frota de caminhões foi outro destaque dado pela narrativa.
A produção na época já tinha passado para 12 mil garrafas por dia, incluindo o engarrafamento de outras bebidas.
Comando familiar
Max Wilhelm desembarcou no Brasil ao lado da esposa Martha do filho Geert e aqui teve outros dois filhos: Elsa Yolanda e Eduardo Francisco.
Com o crescimento da empresa, no fim dos anos 50 a nova geração da família já estava profundamente envolvida nos negócios.
O filho Eduardo, conhecido como Frank, era diretor técnico. O genro de Max, Nelson Driessen, que também era irmão do nosso entrevistado Raul Drissen, foi diretor comercial.
Nessa época, mais precisamente em 1957, o crescimento fez a marca se transformar em empresa de sociedade anônima. Assim chegaram muitos investimentos, com ampliação da fábrica, construção de uma estação de tratamento de água, entre outros setores.
Em 1977 um grupo de investidores de Curitiba comprou a empresa. Dois anos mais tarde, Werner Gruel adquiriu Max Wilhelm, que atualmente é comandada pelo filho Otávio Gruel e tem sede em Blumenau.
Lembranças de uma época
Na casa, as memórias deixadas por Wilfrid Dornbush, que faleceu em 2017 aos 85 anos, são preservadas pela viúva Ana Elvira dos Santos. Uma das relíquias mantidas por ele, que foi fiel funcionário da Max Wilhelm por mais de 20 anos, foram as fotos.
A família de Wilfrid cresceu conectada com a fábrica de gasosas, afinal, eles moravam bem em frente, e pai e dois filhos trabalharam ali.
Quem conta um pouco dessas lembranças é a filha Valdete Dornbusch, 60 anos, que ainda criança ia muito a casa da “dona Yolanda”, filha do opa Max, como era carinhosamente chamado o dono da empresa.
Valdete conta que o pai era responsável pela oficina mecânica da fábrica e que todo o processo acontecia ali, da fabricação, a encaixotar e colocar nos caminhões para distribuir as bebidas pela região.
“Eu gravei muito porque era algo bem familiar. A tarde a gente comia a cuquinha, uma bolachinha e ia ali pegar uma Laranjinha. Marcou muito a vizinhança toda”, comenta.
As imagens das garrafinhas correndo nas esteiras da fábrica, o “toc toc” do martelo fabricando ou consertando as caixas de madeira para carregar as bebidas e o marceneiro que arrumava as carrocerias dos caminhões, ficaram na memória.
Sobre a matriarca da família, Valdete conta que dona Elsa era responsável por fazer as gasosas de gengibre.
“Era fantástico, mas desaparecia logo porque ela não fazia muito”, observa.
A região era realmente movimentada pela fábrica e todo 1º de maio tinha o tradicional almoço dos trabalhadores, que incluía todas as famílias.
O casarão preservado
Da fábrica, pouco sobrou. Durante anos a estrutura ficou abandonada e até houve um incêndio no local, até que a propriedade foi vendida para o Fort Atacadista. A autorização de demolição foi emitida em 2010 e há outro registro em 2017.
Registro da demolição dos antigos galpões foi feita pela família Dornbusch
Registro da demolição dos antigos galpões foi feita pela família Dornbusch
Mas parte dessa estrutura foi preservada graças ao tombamento como bem cultural, feito em 2011. No ano seguinte, a rede de supermercados restaurou a casa onde vivia a família Wilhelm e o galpão da fábrica.
Da residência, Valdete Dornbush também tem boas recordações, especialmente do lindo jardim em frente e do caminho de pedras até a porta.
A estrutura era muito bonita e imponente. Valdete lembra dos anos em que o opa Max chamava as crianças para ver a linda árvore de Natal montada com enfeites vindos da Alemanha.
Max Wilhelm faleceu no ano em que a empresa foi vendida para os primeiros investidores, no dia 2 de dezembro de 1977, aos 84 anos. A esposa Martha viveu mais 12 anos e morreu aos 92 anos em 1989.
Sobre o artigo que você leu
“Antigamente em Jaraguá do Sul” é uma série que investiga, resgata e preserva a memória de histórias, rotinas, pessoas e fatos que moldaram a identidade de nossa cidade. Tem alguma curiosidade ou dica que queira compartilhar com a gente?
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