Compartilhe este conteúdo agora:
No fim de uma rua no bairro Ano Bom, em Corupá, Günther Weynen vive rodeado de pássaros, se dedicando a tarefas na sua oficina. A calma e tranquilidade presentes no dia a dia agora, aos 86 anos, são como um antídoto para a infância turbulenta que viveu na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial.
Com seu forte sotaque Alemão e se desculpando por não falar português tão bem quanto gostaria – apesar de ser fluente -, Günther conta que na época, o menino que passou dos 5 aos 14 anos em meio aos confrontos e batalhas não tinha real visão do que estava acontecendo.
“A gente acostuma e eu como menino, eu até achava bonito quando tinha batalhas de avião”, comenta. Mas aos poucos, a visão do que aconteceu ao ser redor foi ganhando peso.
“Tudo que é Guerra é cruel e não devia existir. E como tem. Está aumentando cada vez, eu acho. Quando terminou a Segunda Guerra Mundial todo mundo chorava, e dizia, nunca mais, nunca mais”, reflete.
Mas tudo começou em Hansa
Para contar propriamente a história da família Weynen e um pouco do que Günther viveu durante a guerra, é preciso voltar para o fim da década de 20. Mais precisamente para Hansa Humbolt, como era chamada Corupá na época.
A mãe, Auguste Hermine Fouferrer, chegou na pequena colônia quando tinha 13 anos, junto com a família. Os Weynen também vieram na mesma época para a região, mas Herbet, que se tornaria pai de Günther anos mais tarde, ficou na Alemanha terminando os estudos.
Chegando ao Brasil, seu pai eram bem aventureiro, conta, arranjava trabalho no Paraná, São Paulo e até chegou a lutar na revolução Constitucionalista de 1932.
Auguste era amiga da irmã de Hebert e eles eventualmente se conheceram por aqui. “Ele logo queria casar com ela. Como os dois eram de nacionalidade prussiana, não era chamado alemão na época, foram no Consulado. Se casaram no Consulado de Curitiba em janeiro de 33. Em outubro de 33 eu nasci”, relata.
Nacionalização e volta à Alemanha
Hebert aprendeu o português facilmente e logo se encontrou como professor. Na época as escolas eram montadas pelos colonos e as aulas aconteciam metade em português, metade em alemão – ou outro idioma comum entre os imigrantes.
O pai conseguiu emprego em uma pequena cidade do Paraná, depois se fixou com um bom salário em Imbituba, onde nosso entrevistado nasceu.
As coisas seguiam bem até que o governo Getúlio Vargas instituiu a Campanha de Nacionalização, proibindo o ensino de línguas estrangeiras, especialmente dos imigrantes.
Isso tirou Hebert da escola e eles voltaram a Corupá. Conseguiu um emprego em Blumenau, mas não foi bem aceito como imigrante, e logo veio a decisão de voltar a Alemanha sem nem imaginar o que estaria pela frente.
De repente em guerra
“Chegamos lá em meados de julho de 39, 1º de setembro estourou a Guerra. Esses dias eu estava calculando, deu 41 dias. Nunca, nunca consegui entender tudo, porque eu era pequeno. Depois, quando eu cheguei a entender melhor, meu pai foi soldado também”, relembra.
A família, então com quatro filhos, estava em Waltersdorf – um povoado com cerca de 60 casas, a cerca de 40 minutos de Berlim.
“Tinham muitas consequências, essa guerra. Como o pai era professor dessa vila, ele ganhou a casa para ficar, mas a casa não era nossa. Depois vinham mais refugiados do leste, onde os russos entraram. Chegou a ter cinco famílias na casa, ou membros, a maioria eram mulheres e crianças”, conta.
Nos primeiros anos, conta Günther, as batalhas não chegavam muito perto da pequena cidade. Mas as coisas não eram fáceis. Tinha escassez de comida e também de carvão para cozinhar. Não haviam jovens na vila e muito poucos homens.
Logo, o pai dele também estava servindo. Herbert não foi para o front, atuou especialmente no abastecimento dos destacamentos, indo muitas vezes para a Rússia.
“Aí não fui mais criança, já era homem. Ajudava a mãe. Porque o pai, desde que eu tinha 9 anos, estava como militar. Tudo a mãe tinha que fazer”, destaca sobre a realidade, que era compartilhada por muitas mulheres e crianças nesse período.
Ambiente hostil
Chegando aos 10 anos, Günther lembra de ser um dos únicos rapazes da região. A maioria era menor, estava na guerra ou tinha tombado – como diziam sobre os soldados que morriam no campo de batalha.
“Isso foi triste. E a gente via, as vezes, um que voltava, que tinha uma licença. Porque cada soldado tinha direito a, no mínimo, 15 dias de férias por ano. Voltou para casa nosso vizinho. Eu lembro o nome dele, era Enrich, Enrico. Ele era alto e nosso muro, se não me engano, tinha 1 metro e 90. Quando ele saiu de casa, passou rente ao muro, eu vi os cabelos dele. Mas a gente não conversava, eu era um moleque e ele muitos anos no front. Depois dessa licença, ele não voltou, ele tombou também”, relata.
Para um menino alemão, as perspectivas sobre a guerra eram bem diferentes. A proteção e defesa vinha do exército Alemão. Americanos, russos e ingleses representavam a ameaça, os ataques.
Na visão de Günther, as ofensivas de Winston Churchill em solo alemão, especialmente os bombardeios à cidades, foram cruéis.
Garoto entre explosões e bombardeios
Entre os episódios mais marcantes, ele lembra de uma vez que ficou a menos de 800 metros de uma estação da cidade vizinha, que foi bombardeada.
“Eu dei um grito: bombas, bombas! Me joguei ao lado, fiquei jogado e nós aprendemos que quando vem bombas assim tem que abrir a boca porque a pressão de ar, se tem a boca fechada, vai em cima dos ouvidos e pode estourar. Na escola a gente aprendeu isso”, conta. Günther lembra que, mesmo estando do outro lado de um rio, a pressão no ar o levantou do chão, que tremia como em um terremoto.
Ele também lembra quando foi possível ver no céu uma batalha entre aviões americanos e alemães, vencida pelos locais. Dois caças explodiram no ar e um terceiro caiu, dando tempo para os soldados saltarem de paraquedas. Mas um deles foi levado pelo vento para perto da cidade.
“Fomos lá, três meninos, e três homens. Um era um soldado que estava de férias. Por sorte ele falava inglês. Chegam perto do homem. Ele estava se desfazendo daquele paraquedas. Nós meninos sempre juntos, curiosos, vendo um americano de perto, daqueles que jogaram bombas em tudo”, relembra.
O soldado, muito tranquilamente, percebeu que não teria para onde correr. Ele foi preso e levado para a Prefeitura.
“Ninguém tocou no homem. Isso me veio sempre na cabeça quando eu vi o contrário, que o americano matou o soldado alemão que se entregou, com crueldade”, compara com um episódio visto dias antes da Guerra acabar.
O soldado estava em uma trincheira feita durante a noite. Os americanos entraram com caminhões e tanques quase de madrugada na cidade, mas o grande movimento foi em torno das 9 horas, indo direto até 4 horas da tarde, um veículo colado do outro. Foram dois dias de tiroteio direto, relata.
“Isso foi início de maio. E o solo mais fundo ainda é congelado. O soldado alemão não conseguiu fazer uma proteção fundo o suficiente para se recolher. Ele ficou lá 7, 8 horas sem se mexer. Mas ele se mexeu depois, ele não aguentava. Os dois do tanque viram, pularam para baixo. Isso me chamou atenção. Correram e aí eu vi. O soldado já estava fora, sem capacete e mão assim (pra cima), se rendeu. Mesmo assim o americano pegou uma bazuca, levantou que nem um martelo e afundou a cabeça dele”, destaca sobre a crueldade presenciada com apenas 11 anos.
Dias depois a invasão estava consolidada. Günther considera, como muitos, o fim da guerra no dia 8 de maio de 1945, conhecido como o Dia da Vitória na Europa.
Separações
No dia 2 de maio, o pai Herbert havia conseguido uma licença, bem no dia do aniversário, para visitar a família. Ele ainda estava se recuperando após passar dias no hospital. Mas ele precisou se reapresentar no dia 5 – quando os americanos tomaram Waltersdorf.
“Fim da Guerra no dia 8, o pai sumiu. Ninguém recebeu notícias durante 9 meses. Eu tenho as cartas que ele escreveu depois. E pelas cartas eles já decidiram voltar para o Brasil. A Alemanha estava no chão, tudo destruído” comenta.
Depois do período sem notícia, o pai ainda ficou preso em diversos pontos da Alemanha. Foi um total de 15 meses como prisioneiro de guerra.
Nesse período, havia acontecido a primeira ocupação americana e depois o território onde ficava Waltersdorf passou para os russos.
Günther lembra que o pai voltou para casa e partiu na mesma noite. Auguste e Herbert decidiram que ele iria para Wolfsburg, no setor inglês, encontrar o irmão dela.
Ele partiu com dois filhos e depois de uma semana partiu a mãe com os demais, Günther ficou na casa.
“Eu fiquei 15 dias sozinho com os russos lá naquele povoado. Desses 15 dias, eu esqueci tudo. Não lembro nem como me alimentava. Pode ser que foram só 10 dias, mas para mim pareciam duas semanas. Aí minha mãe voltou para me buscar”, conta.
A família ficou entre 7 a 8 meses em Wolfsburg e no início do outro ano foram para um campo de concentração onde estavam sendo reunidas pessoas que queriam voltar para o Brasil. Mas a família foi separada.
“Faltou um documento dos americanos para o meu pai, e como nós estávamos no setor inglês, ele não conseguiu um lugar junto com a gente. Ele voltou para a cidade para ter um teto”, Günther conta que Herbert até tentou permanecer escondido com família, mas foi denunciado.
Isso fez com que o pai não conseguisse embarcar para o Brasil com a mulher e filhos – então já eram cinco e Auguste estava grávida do sexto. Eles ficaram sete meses no campo até conseguirem embarcar no Santarém junto com mais de mil passageiros. A viagem levou um mês.
“Chegamos no Rio, a gente desembarcou para ficar numa ilha. Ilha das Flores se chama. Foi a maravilha da viagem. Porque partimos da Alemanha dia 1 de janeiro de 48, aqui era alto verão e lá era gelo e neve”, destaca, rindo.
Herbert conseguiu vir para o Brasil só cerca de 2 anos depois, e a família já estava em Corupá. Mas Gunther nunca mais viu o pai. Ele arranjou emprego em São Paulo ao desembarcar e começou a mandar dinheiro para a família.
Três meses depois pararam as cartas e logo veio a notícia que ele havia morrido. “Foi triste. Minha mãe sofreu muito”, relembra emocionado.
Vida de volta
Com 14 anos, Günther estava de volta no Brasil e há algum tempo era o braço direito da mãe, ajudando com os irmãos. Ele não falava uma palavra em português e o avô, Augusto, também não incentivou ele a aprender e estudar.
O jovem acabou assumindo as tarefas na propriedade rural da família, ainda mais quando o vô ficou doente. Ele ficou 10 anos na lida rural, sem receber dinheiro, só mantendo a casa. Foi nessa época que ele arrumou um emprego em Timbó, onde aprender a trabalhar com peças de metal, entender de mecânica. Logo depois foi para São Paulo, onde deslanchou no ramo trabalhando para algumas empresas.
Conseguiu se colocar no mercado mesmo sem estudo formal, já que tinha estudado apenas até os 11 anos na Alemanha – com o fim da guerra e as mudanças não frequentou mais a escola. Saber muito bem o alemão ajudou, assim como sua aptidão para confeccionar peças.
Casamento só aconteceu muito depois. “Casei tarde, eu tinha já 37 anos. Primeiro os outros, a caçula casou antes de mim”, comenta bem humorado. Da união, ganhou um enteado e teve uma filha.
A uma altura da vida, resolveu voltar para a cidade onde estavam os laços mais profundos com a família e vive até hoje com tranquilidade, tendo uma vasta mata como vizinha. Da Guerra, ficaram muitas memórias, e muitas histórias que tomariam as páginas de um livro.
Escrever essas memórias tão profundamente não está nos planos dele. “Como nós tiveram muitos”, comenta sobre as histórias de muitas famílias, até mesmo da região, que viram a guerra de perto.
Não esqueça de compartilhar:
Caixa de comentários
VOCÊ TAMBÉM VAI QUERER LER