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Todos os meses, vozes embalando belas canções ressoam pelo Hospital São José. Uma das mais conhecidas, certamente, pertence a Dilma Salves, 68 anos. A música é um momento de distração para as pessoas que passam por um momento difícil de vida e um compromisso seguido fielmente por Dilma há mais de 30 anos.
Com quase metade da vida dedicada a alegrar pacientes junto com o grupo de cantores, a disposição continua à toda. O ritmo é de gargalhadas e alto astral para encarar esse e outros trabalhos voluntários com muita leveza.
Porque Dilma não para. Tem missas da primeira sexta-feira do mês para tocar, missa da quarta-feira, celebrações no Lar das Flores e por aí segue a lista. Ela afirma que não é exceção e gosta mesmo é de exaltar o espírito voluntário da cidade.
“Tem muita gente trabalhando, aqui em Jaraguá tem um grupo grande de voluntariado. No nosso canto nós somos em 12, 14. Nem sempre vão todos. Mas se tiver 3 pessoas, nós vamos cantar porque esse é o nosso compromisso”, destaca.
Essa missão que já dura três décadas começou entre um grupo de amigos que cantava na igreja católica – entre eles Dilma e outros dois membros que seguem até hoje, os demais foram se juntando com o tempo.
A cantoria é feita nos corredores e muitas vezes no quarto de alguém que esteja em estado grave. Estar em contato com esses momentos tão fortes na vida das pessoas faz Dilma perceber a importância desse serviço.
“Às vezes a gente fica com preguicinha mesmo, falhar nunca, pode até ir contra a vontade, mas quando a gente começa a cantar, vê a emoção dos doentes. Para nós isso é corriqueiro, mas para eles é muito importante”, comenta.
Inspiração que vem de berço
Para Dilma não tem dia para se voluntariar. Não é só no Natal, na Páscoa, ou quando chega o Dia das Crianças. Existem pessoas precisando de ajuda o tempo todo. Isso ela viu desde pequena.
Nascida em Joinville, no bairro Itaum, ela foi confrontada com uma realidade social dura. O pai João e a mãe Virginia usavam da condição que tinham para melhorar um pouco a vida de quem estava ao redor.
“Nós tínhamos peixaria e comércio, minha mãe dava peixinho, comidinha, era madrinha de todo mundo na rua”, relembra. E ela ajudava a preparar e distribuir as doações. “Isso vem da minha casa mesmo”.
Com apenas 18 anos ela casou com Wilson Salves, teve dois filhos, Denise e Wilson Júnior, e em 1974 se mudou para Jaraguá do Sul. Esse tempo foi de muita dedicação à família recém formada.
“A gente fica muito tempo desligada das coisas porque tem os filhos, marido, a gente trabalha. Quando a minha filha entrou na doutrina, eu já estava casada há 10 anos, senti que precisava fazer alguma coisa”, conta.
Dilma estava então com 30 anos e começou a participar de atividades na igreja, sentindo que estava continuando aquele senso comunitário vindo dos pais.
Uma coisa puxou a outra: começou a aprender a tocar violão, logo estava tocando nas missas, retiros, casamentos com o violeiro e amigo Ismar. Depois a ideia de levar música ao hospital começou também.
Junto disso, Dilma integrou a Rede Feminina de Combate ao Câncer e numa visita a um centro oncológico viu voluntários fazendo cortes de cabelo e de unha nos pacientes.
“Eu me encantei com aquilo, sabe. Pensei: nossa, isso eu posso fazer porque eu sei fazer”, relembra.
Manicure de profissão, dali foram 10 anos fazendo esse trabalho todas as segundas-feiras de manhã no hospital.
Ela só parou para ajudar a cuidar da netinha. Mas logo depois a cunhada teve câncer, e como era viúva, recebeu os cuidados de Dilma. Alguns anos depois, outra fatalidade, o marido adoeceu de câncer, que acabou levando a morte.
Nem nesse período tempestuoso ela deixou de cantar no hospital.
São José de carne e osso
Nos dias de hoje, o Hospital São José é referência em atendimento e tratamento de diversas áreas. Mas a situação era bem diferente há 30 anos. Como resume Dilma, faltava de tudo na unidade.
Nessa época, a estrutura ainda era comandada pelas irmãs da Sociedade Divina Providência e não haviam muitos recursos disponíveis.
Como Dilma estava bem inserida no hospital, acabava vendo muito dessa realidade e sentia vontade de ajudar. Na outra ponta, conhecia empresários e pessoas com ótima situação financeira pelo seu reconhecido trabalho como manicure.
“Fazia campanha, muitas campanhas, para conseguir lençol, travesseiro, cadeira, ventilador… Eu tinha essa facilidade e via os problemas porque eu estava lá”.
Essa eficiência garantiu a ela um apelido, que faz parte da história do hospital. Uma das irmãs, irmã Marli, passou a chamar Dilma carinhosamente de São José.
“Eu perguntei porque me chamava de São José. Ela disse, sabe o que é, é que quando eu preciso das coisas, eu vou lá na capela e digo ‘ah, meu São José, eu preciso disso’ e ele diz ‘fala com a Dilma’”, conta às gargalhadas.
A melhor idade
“Então eu vou fazer 69 anos no final do ano, mas ainda não pretendo parar. Foi por causa do idoso que vocês queriam falar comigo?”, questiona com bom humor, se referindo à nossa série.
Uma das características mais contagiantes de Dilma é a gargalhada. Ela decide viver a vida de forma leve, encarando os altos e baixos que aparecem e ainda encontrando tempo para ajudar como pode.
Nem que seja com visitinhas às amigas de 80, 90 anos que costumavam pegar carona com ela para a missa.
“Eu tenho um alto astral, assim, nato. Porque às vezes eu estou chorando e… ai que merda, não vou mais chorar, que coisa”, revela.
Entregue a essa extrema disposição com a vida, Dilma até diz que está “pronta para Deus”. Para ela, falar isso vem da satisfação de ter vivido com plenitude todas as fases da vida e ver os filhos bem.
Mas Dilma não espera os anos passarem sentada não. Bem o oposto. Viajar é uma das suas alegrias. Está com passagem marcada para conhecer Escandinávia e Dinamarca e já foi para Turquia, Jerusalém, Portugal, Espanha, Egito, entre outros. “Fui até para o Vietnã”, conta às gargalhadas.
“Eu vou enquanto posso puxar a minha mala”, brinca. “Eu viajo, esse é meu prazer. Meus filhos dizem que precisa pintar a casa. Ou eu pinto, ou eu viajo. Vocês acham que eu vou fazer o quê?”.
Viver cada momento
Não tem como afirmar. Mas o combustível para manter uma pessoa trabalhando voluntariamente por três décadas pode ser a sabedoria de viver cada fase, cada momento.
Pelo menos é o que Dilma faz, contagiando com alto astral e também se permitindo sentir a tristeza.
“Tem coisas na vida da gente que a gente não tem como mudar. Como a morte: é uma coisa muito triste. Quando fica uma pessoa doente na família, é muito triste ver quem a gente ama sofrer. Esses momentos você não tem como mudar, como passar de lado”, destaca.
Mas para ela, que perdeu as pessoas que a ligavam com suas raízes – os pais, o único irmão e cunhada, tios e tias, e claro, o marido -, as despedidas fazem parte da vida.
Diante dessas fatalidades, é preciso aceitar a vida, lembrar do que é bom, que para ela são os filhos e neta, do que pode ser feito, que é o voluntariado.
Sobre o artigo que você leu
“Avós de Jaraguá” é uma série sobre o que podem contar e inspirar pessoas idosas de Jaraguá do Sul que seguem na ativa, sendo realizando sonhos, se mantendo ativos na profissão, exercendo algum trabalho voluntário, ou até mesmo encontrando novas paixões. Conhece algum vovô ou vovó cuja atitude provoca admiração?
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