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Quem vê as mais de 600 páginas prontas e encadernadas em capa dura pode até ter uma ideia vaga do trabalho. Mas a história que levou à escrita de “Memorial do Bairro Santa Luzia – Herdeiros da Duquesa” é tão longa quanto o livro em si.
Os escritores Álido, 82 anos, e Lauro Rosá, 81 anos, dividem ao longo do título a trajetória deles mesmos e da própria família, que viveu durante anos no bairro. É dessa relação íntima com a região que nasceu a vontade de registrar esses fatos.
“Nós temos que fazer um trabalho em Santa Luzia, que grave um pouco a história dessa povoação, porque se não vai morrer tudo”.
Foi o que seu Lauro lembra de ter dito ao irmão Álido, ou frei Álido, como é conhecido pelos anos de dedicação entre os franciscanos – não conseguimos entrevistá-lo justamente por estar em missão junto ao povo Guarani-Kaiwá, no Mato Grosso do Sul.
Álido e Lauro passaram 20 anos coletando informações, correndo atrás de fotos, ouvindo relatos de familiares e buscando dados no Arquivo Histórico Municipal. “Não é fácil tirar uma história da cabeça das pessoas”, afirma Lauro.
Muitas informações os irmãos já tinham em mãos pela vivência e por pesquisarem desde 1974, quando ambos começaram o trabalho para fundar o Museu di Ferramente D’affari dei Nonni.
Sempre que Álido visitava alguém, costumava pedir se havia algum objeto, ferramenta ou equipamento antigo que não estava mais sendo usado. Chegou ao ponto de encher uma Kombi com os artefatos.
Lauro buscou por algum tempo um local para criar o museu, até que conseguiram um pedaço de terra com um irmão. Em um esforço coletivo, com contribuição inicial de familiares e comunidade, a estrutura abriu as portas. E segue até hoje, após outros investimentos.
Segundo Lauro, essa visão da necessidade de preservação da cultura ficou ainda mais nítida quando o frei Álido fez uma viagem com os franciscanos à Palestina e Europa.
“Ele viu de perto o que é história antiga, veio para cá e começou a escrever”, comenta. Isso foi em 1985, quando Álido fez uma série de pequenos artigos que foram publicados no jornal O Correio do Povo, contato a história de Santa Luzia.
Memórias levadas adiante
Para Lauro, infelizmente muitos bairros de Jaraguá do Sul não tiveram a história preservada. No caso de Santa Luzia, eles buscaram ouvir os relatos das famílias que fizeram parte desses capítulos, mas, segundo ele, não é uma obra acabada. Existem memórias a serem exploradas.
O livro conta desde a época em que as terras eram habitadas por povos originais, possivelmente índios carijós que foram destituídos com o avançar da colonização.
Depois, quando as terras onde ficam Santa Luzia não faziam parte da Colônia Jaraguá, eram parte do domínio Dona Francisca. Com o falecimento dela, as terras passaram para a única filha, a Duquesa de Chartres.
Por isso, a localidade se chamava de Loteamento da Duquesa de Chartres e começou a ser povoada por volta de 1919 por imigrantes italianos.
As famílias que fizeram parte desse movimento, a religiosidade e o trabalho intenso na área rural estão estampadas ao longo das páginas.
Lauro comenta que apesar do livro se centrar na localidade, a história dos arredores precisou ser contada.
“Nós não podemos falar só de Chartres, Santa Luzia, porque quem ajudou aquela população a sobreviver foi Três Rios do Norte, ali na entrada do Theilacher, Ribeirão Grande, depois se esparramaram para o Rio Manso os caçadores, depois veio a turma de Grota Funda, Itoupava-açu, Schroeder, João Pessoa”, comenta. “Porque o pessoal de Santa Luzia ia lá nos Tomazeli buscar farinha de milho para fazer a polenta, e quando não dava eles vinham aqui em Nereu a pé”.
São anos e anos de trabalho árduo dos imigrantes, que realizaram esforços inimagináveis para tornar a área produtiva, como a construção do Valo da Sociedade em 1934.
Esforço para produção
Com o típico bom humor italiano, Lauro comenta que o lançamento do livro tem sido bem recebido.
“Quem compra já fala pros outros. É que nem nascer uma criança no bairro. Igual quando nasceu o João Batista, a mulherada saiu pela montanha gritando que a Isabel tinha gerado um filho velha. Ecoaram nas montanhas”, comparou, rindo. “Esse nascimento, o nosso filho mais novo, já nasceu com uma boa idade”.
Todo trabalho envolvendo esse resgate histórico foi conduzido de forma independente por Álido e Lauro, da pesquisa à produção e impressão dos livros. Apenas 50 exemplares foram impressos pela Fundação Cultural para distribuição em escolas, bibliotecas e Arquivo Histórico.
A falta de recursos chegou a ser motivo de dúvida para os irmãos, que pensaram em desistir. Mas a motivação seguiu por lembrar de todas as pessoas que haviam dedicado tempo a abrir o baú de memórias e relatar a vida de seus antepassados.
Os livros estão sendo vendidos a preço de custo, a única intenção é manter a preservação. Lauro espera que o legado de trabalho cultural deixado por ele e por Álido seja levado adiante.
“Depois de nós virá alguém que se interessa. Outros tem que fazer. O cemitério de Santa Luzia tá aí faz 100 anos e a turma tá cuidando. Se a turma cuida de uma coisa morta, muito melhor de uma coisa viva, que a cultura é uma coisa que não se perde”, finaliza.
- Tem interesse no livro?
Lauro conta que queria mesmo é distribuir o livro por aí, mas como ele foi feito de forma independente, o volume está a venda. Os interessados podem entrar em contato com Lauro Rosá pelo telefone 3370-7955.
Sobre o artigo que você leu
“Avós de Jaraguá” é uma série sobre o que podem contar e inspirar pessoas idosas de Jaraguá do Sul que seguem na ativa, sendo realizando sonhos, se mantendo ativos na profissão, exercendo algum trabalho voluntário, ou até mesmo encontrando novas paixões. Conhece algum vovô ou vovó cuja atitude provoca admiração?
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