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Desde pequenas, as irmãs Victória e Helena Puccini de Castro sonhavam juntas em viver nos Estados Unidos. Escutavam músicas, assistiam filmes juntas, ensaiando as primeiras palavras em inglês. A vontade era ainda mais forte porque o tio delas, Dorival Puccini Jr., morava a anos no país. Mas tudo ficava no baú de sonhos – parecia impossível.
Tanto que hoje em dia, Victória, aos 25 anos, reluta em acreditar que foi aceita para o PhD em ciências biológicas e biomédicas na terceira mais antiga instituição de ensino superior dos Estados Unidos: a famosa Universidade de Yale.
“Muitas vezes eu sinto como se não merecesse estar onde estou, e que as pessoas se enganaram e que eu não tenho capacidade para tudo isso. Diariamente eu tenho que lutar comigo mesma pra me fazer acreditar que sim, eu mereço estar na Universidade Yale. Sim, eu trabalhei muito pra chegar aonde estou. Sim, meus colegas estão entre as pessoas mais inteligentes do país, mas se eu fui aceita aqui é porque eu também mereço estar aqui”, comenta a jovem.
Assim como os sonhos de estar no país, essa trajetória de competência na área científica é compartilhada com a irmã Helena, 21 anos, que está desde o ano passado seguindo a trilha aberta para irmã na NEIU, a Northeaster Illinois University.
Trajetória em família
Victória e Helena foram criadas em Jaraguá do Sul depois que a mãe Kelly veio a trabalho, se apaixonou pela cidade e resolveu ficar por aqui. Isso foi em 2005. No começo eram só elas por aqui, longe do pai Vitor – que é divorciado da mãe – e demais familiares.
Com o trabalho como professora, Kelly mantinha as filhas em tempo integral no Jangada, onde ela também trabalhou por anos. A vida dessas três se dava entre as salas de aula e atividades dentro da escola. Algo que rendeu uma profunda relação entre mãe e filhas.
Kelly lembra que a curiosidade de ambas sempre foi algo super presente, o que foi apoiado pela educação em casa e na escola. Para ela, isso fez florescer o interesse pelas áreas científicas.
Todo esforço sempre aconteceu para que elas pudessem seguir esses estudos. Mas até para os pais era inimaginável cogitar a possibilidade de estudos fora do país.
“A ideia de estudar fora, por parte da Victória, sempre existiu. Mas nós não temos recursos. Por mais que eu trabalhe, o pai dela tente ajudar, eu sou professora, hoje terapeuta, ele trabalha em comércio e os valores não fecham para pagar as coisas em dólares”, destaca.
Por isso, ao terminar o ensino médio, Victoria começou a cursar medicina veterinária por aqui mesmo.
Uma viagem inusitada
O tio Dorival, lá do começo da nossa história, estava prestes a ser papai e presenteou a irmã Kelly, e as sobrinhas Victoria e Helena com passagens para os EUA para participar desse momento.
“A bebê acabou não nascendo enquanto a gente estava aqui, mas tudo que eu vi e experenciei aqui fez aquela vontade que eu sempre tive voltar mais forte ainda”, lembra Victória.
E como o assunto veio à tona, a família começou a discutir essa possibilidade, tendo um lugar para ficar e o suporte do tio para iniciar os estudos.
“Eu sou muito resistente a mudanças e tendo a não sair da minha zona de conforto, então ninguém achou que eu aceitaria. Principalmente porque eu já estava começando o meu sétimo semestre na faculdade de veterinária”, lembra Victória. “Mas minha vontade era tanta que eu aceitei”.
Ela conta que começou as pesquisas e percebeu que precisaria cursar biologia, já que medicina veterinária nos EUA é um curso de doutorado. Victória fez uma lista de universidades próximas da casa do tio e escolheu a mais próxima e mais barata – que era NEIU.
Após ser aceita, foi uma correria para encaminhar toda a documentação, garantir os recursos financeiros iniciais e partir. No final de maio de 2016, a mudança aconteceu.
Trabalhando para estudar
Um semestre de estudos na NEIU custa em média 11 mil dólares – pensa isso convertido em real? O suporte familiar não foi suficiente para dar conta das despesas, mas a jovem não desistiu.
“Eu tinha notas boas, então comecei a aplicar para todas as bolsas de estudos que eu poderia me inscrever. Como estudante internacional, eu só posso trabalhar dentro da escola, então arranjei um emprego como recepcionista do centro de monitoria da faculdade, na biblioteca”, conta.
No meio tempo, também apareceu a possibilidade de um trabalho remunerado em um laboratório e aos poucos ela começou a bancar os próprios estudos.
“Foi um período extremamente difícil, eu era estudante em tempo integral, trabalhava 10h no laboratório e 20h no biblioteca por semana. E 40h por semana entre laboratório e biblioteca no verão. E também ajudava a cuidar da minha prima em casa. Fiz isso durante os quatro anos da faculdade. Eu fiquei mais de dois anos sem voltar para o Brasil por não conseguir pagar uma passagem”, relembra.
Sonho de irmãs
Mesmo tendo a irmã nos Estados Unidos, quando terminou o ensino médio, Helena decidiu estudar por aqui mesmo e começou a cursar licenciatura em Química na Udesc, em Joinville.
“Eu gostaria de me tornar professora e o curso era maravilhoso, mas eu sabia que não era só isso que eu queria. Aqui nos EUA eu tinha mais oportunidade, e como eu quero fazer PhD em bioquímica depois que eu me formar, seria melhor se eu transferisse para cá”, conta Helena.
E aí começaram todos os planos para conseguir ir para o país, o que aconteceu em junho do ano passado.
Helena conta que acabou escolhendo a NEIU pela experiência positiva da irmã, que conseguiu boas oportunidades por lá durante o curso.
Os desafios
A resiliência das duas jovens têm feito o sonho de menina acontecer. A história é tão inspiradora que virou matéria dentro do campus da universidade de Illinois. As irmãs encaram o desafio de manter as contas em dia na universidade sem perder o foco nos estudos.
“Com certeza o maior desafio é pagar. As faculdades já são caras pra quem nasceu aqui e está guardando dinheiro desde sempre, pode trabalhar quantos empregos/horas conseguir. Imagina para quem é estudante internacional e tem que tirar do bolso, na hora. Sem contar que por ser internacional eu não sou elegível para a maioria das bolsas de estudos, o que dificulta muito permanecer aqui”, comenta Helena.
Essa rotina cheia em uma cultura tão diferente também traz desafios na adaptação, para fazer novas amizades e especialmente pela distância da família.
Esse ano, Victória terminou o curso na NIEU e se mudou para a Universidade de Yale, que fica em outra cidade. Mas mesmo distantes, elas seguem unidas pela trajetória e desafios.
“Ver ela passar pelas mesmas coisas que eu é bom e ruim. Ruim porque é um trabalho árduo e exaustivo, mas é bom porque eu posso ajudar ela por já ter passado pela mesma coisa. Ela está indo muito bem e se destacando na faculdade desde cedo. Mal posso esperar pra ver aonde ela vai acabar fazendo o PhD dela”, comenta Victória.
Ambas permanecem focadas naquilo de melhor que estão conseguindo tirar. Helena ressalta que é importante manter o foco e a mente alinhados para atingir os objetivos, cuidando sempre do emocional.
“Nunca me arrependi de ter vindo para cá, apesar das dificuldades. As oportunidades que tive aqui, eu jamais teria alcançado caso tivesse permanecido no Brasil. Os EUA têm uma cultura científica muito diferente do Brasil. Aqui a ciência é muito valorizada e recebe muito investimento”, destaca a nova estudante de Yale.
Um sonho que vale
Para a mãe, ver a trajetória das filhas traz muito orgulho por todas as conquistas diante de desafios e posicionamentos.
“Começa lá, duas meninas, filhas de pais separados, vivendo fora do contexto familiar porque viemos para cá só nós três. Todas as dificuldades de adaptação. Vitória tem uma condição especial também, ela tem uma variação do espectro autista, hiperlexia, que faz com que ela tenha mais dificuldade de se adaptar a mudanças e ao contato com pessoas. Eu tenho orgulho de tudo que elas fizeram, das escolhas que elas fizeram”, comenta.
Kelly, que atua como protetora animal na Gang dos Patinhas, comenta que essa formação humana das filhas as fez recusar trabalhar em pesquisas com testes em animais, o que restringe ainda mais as oportunidades de trabalho em laboratórios.
“[Me orgulho] Principalmente pelo fato de ambas não terem desistido de nada, porque as dificuldades foram muitas e são ainda. Elas querem fazer a diferença no mundo, para as pessoas, para os animais, para a qualidade de vida das pessoas”, conta.
Para Victoria e Helena, toda educação recebida no Brasil foi fundamental para elas estarem onde estão. Sem contar o suporte dos tios americanos, do pai e da mãe, com a quem elas tem essa profunda relação.
“Eu, ela e minha mãe sempre fomos muito próximas, somos o porto seguro de umas às outras e enfrentamos todos os obstáculos juntas. Isso não mudou com a distância. Sempre que precisamos de ajuda, nos ligamos. E todas as vezes que pensei em desistir elas estavam lá me mostrando todos os motivos de estarmos aqui”, destaca Helena.
Sobre o artigo que você leu
“Jaraguaenses Pelo Mundo” é uma série que compartilha com vocês tudo que passaram pessoas que optaram sair de nossa cidade para viver no exterior, e assim inspirar quem mais tem esse sonho. Conhece alguém com uma história legal pra compartilhar?
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