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“Alô, telefonista, me liga com o número 5”.
Seria assim o começo da conversa se em 1930 você quisesse ligar para O Correio do Povo. E, claro, você teria que aguardar na linha uns bons minutos enquanto uma simpática profissional fazia a conexão do seu telefone com o telefone do jornal. Consegue imaginar a cena?
Não obtemos a data exata em que esse meio de telecomunicação, que revolucionou uma época, passou a operar em Jaraguá do Sul.
Em 1878 os aparelhos chegaram a Florianópolis, em 1907 haviam telefones em Joinville. Em algum momento nos anos seguintes, a rede telefônica com os fios que carregavam a voz de um lado para o outro passaram a operar na cidade.
Os primeiros registros da chegada
O registro mais antigo encontrado foi justamente na capa do OCP de maio de 1930, onde ao lado do nome aparecia “Telephone n. 5”. Nos anúncios, o Hotel Central exibia o número 1. Sim, era apenas um número.
Notícias de 1934 apontavam reclamações à “Companhia Telephonica Catarinense” (CTC) sobre as tarifas: uma ligação a Joinville de 3 minutos teria passado de 900 “réis” para 2.100.
No Arquivo Histórico de Jaraguá do Sul, a informação mais antiga catalogada é referente a um edital em março de 1939 em que a Prefeitura abria concurso para empresas interessadas em explorar os serviços de telefonia na cidade. Possivelmente, uma demanda legislativa para regulamentar o serviço.
O edital sinalizava, entre outras demandas, a necessidade de 4 telefones para o prédio, um para o hospital e um para o Fórum da Comarca.
Do outro lado da linha
Uma das figuras que nos leva nessa história é da emblemática Nair Enke, que em 1942 começou a fazer parte da trajetória da expansão da telefonia em Jaraguá do Sul. A simpática telefonista, falecida em 2011, é lembrada até hoje por muitas pessoas.
O telefone foi praticamente um membro da família, conta a filha Florilda Donini, dado o entusiasmo e comprometimento com a qual a mãe encarva o trabalho.
Nair começou como telefonista da Companhia Telefônica Catarinense (CTC) aos 16 e atravessou quatro décadas de transformação, se aposentando como gerente da Telesc por volta dos 60 anos.
As telefonistas foram peças centrais para a chega dos telefones a rotina das pessoas. No início, a tecnologia era básica, eram pouquíssimos números. Uma lista de 1948 exibe os 66 telefones que Jaraguá do Sul tinha naquele ano. E nenhum usuário conseguia ligar diretamente para o outro – nem mesmo ao próprio vizinho.
Essas profissionais eram o ponto de conexão para quem queria usar esse meio de comunicação. “Elas sabiam do que estava acontecendo na vida das pessoas, mas nada poderia sair dali. Toda comunicação era via telefone”, comenta Florilda.
A CTC, que funcionada próxima à Prefeitura Municipal, onde hoje fica o Museu Emílio da Silva, era prédio concorrido.
As telefonistas trabalhavam em turnos, de manhã até a noite, operando a central telefônica. Existiam canais com pequenos plugues redondos e uma luz que ficava vermelha quando chegava a chamada. A profissional se conectava para receber o pedido.
“A primeira ligação do dia, todos os dias, de segunda a sábado, era da Max Wilhelm aqui com a filial deles em Rio do Sul. Aqui era 222 e lá era 468”, relembra Áurea Maffezzolli, 71 anos, sobre uma das épocas de atuação como telefonista.
Era assim. O usuário informava para onde queria ligar e começava a saga. Se fosse na própria cidade era mais rápido, bastava conectar pelo próprio painel com o telefone do vizinho.
Mas as chamadas para outras cidades, a telefonista iria ligar para a telefonista da central da cidade pretendida. Se era uma cidade muito distante, era preciso ir de ponto a ponto, conectando com a central mais próxima na direção geográfica do destino.
Esse processo poderia levar horas, ou dias, dado o tráfego. Enquanto pedia pela ligação, a telefonista ficava ali, girando a manivela que era responsável por gerar uma corrente que acionava um alarme na outra central onde a ligação seria recebida.
“Uma ligação para Curitiba demorava uma semana. A não ser que fosse um caso de morte”, conta Áurea.
Para quem está tendo dificuldade de entender, é preciso lembrar que naquela época não existia um cabeamento moderno e potente capaz de levar um grande volume de informação. Existiam cabos ligando uma central na outra, que nos primeiros anos permitiam uma ligação por vez.
“Muitas vezes as telefonistas ficavam a noite para tentar diminuir as ligações e tentar achar uma brecha”, comenta Florilda, relembrando dos relatos da mãe.
Tem ligação pra você!
Outras profissões foram criadas ao redor da telefonia. Hilário Kruguer, 76 anos, começou ainda jovem, em agosto de 1958, a trabalhar na CTC como cobrador, estafeta e mensageiro.
“Cobrador era fazer as cobranças da empresa, estafeta era entregar fonograma, tipo um telegrama, e mensageiro era, se queriam falar com o João da Silva, por exemplo, tinha que ir de bicicleta avisar: ‘Vai tal hora na telefônica que tem uma ligação de tal lugar para o senhor’”, relembra o aposentado.
Reconhecidas por todos
Em uma cidade em desenvolvimento como era Jaraguá do Sul, todas as conversas telefônicas passavam por essas dedicadas mulheres. Elas faziam os pedidos e em muitos momentos acompanhavam a conversa para poder desligar a linha e anotar precisamente o tempo que o usuário utilizou o telefone e, assim, emitir a cobrança.
“Nós naquela época eramos mudas, surdas e cegas. Não podia abrir a boca”, relembra Marlene Schlüzen, 80 anos.
Esse sigilo e discrição eram fundamentais para o serviço e era reconhecido pelos clientes. Além, claro, da prestatividade, jeito comunicativo e disposição das telefonistas.
“Nós éramos muito bem tratadas”, relembra Áurea sobre os Natais em que recebiam presentes, bolos, vinhos, chocolates e outros itens das empresas e demais clientes.
Historicamente, as telefonistas são um marco na entrada das mulheres no mercado de trabalho em todo o mundo.
Marlene, por exemplo, começou como telefonista substituta, mas precisou se afastar quando se casou. O marido era machista, afirma, e não aceita que ela trabalhasse fora. Depois da separação, ela retornou ao trabalho.
A trajetória de dona Nair também mostra isso. De telefonista, passou a gerente comercial, responsável por uma grande equipe, incluindo muitos homens.
A personalidade dinâmica e persistente dela, comenta a filha Florilda, contagiava as pessoas ao redor. “Ela era uma mulher a frente do seu tempo”, comenta, destacando a verdadeira paixão com a qual a mãe se dedicava ao trabalho.
Perrengues na manutenção
Outra figura emblemática dessa época é Pery Quirino da Cruz, 93 anos, que nos primeiros anos trabalhou como guarda-fio e depois auxiliar técnico. Ele fazia a manutenção das linhas físicas interurbanas, percorrendo pontos da cidade quando havia algum defeito.
Pery lembra que essas fiações passavam ao lado da estrada de ferro e a Maria-Fumaça acabava sendo um meio de transporte para essa manutenção. Assim como foi para os demais técnicos como Orlando de Mello, 74 anos, e Hilário Kruguer, que passou à função após os anos como cobrador, mensageiro e estafeta.
“Falava com o maquinista: ‘parceiro o defeito hoje está em tal quilômetro’. O trem andava a 60, 70 até 80 por hora naquele tempo. A gente jogava a mala de ferramenta e pulava, quando tombo, ele passava para uns 30 por hora”, comenta, relatando que depois eles voltavam a pé até a estação mais próxima do ponto de manutenção.
Haviam também alguns defeitos em que não se identificava o local exato, então era preciso ficar de olhos abertos buscando o problema.
Orlando relembra os clássicos ruídos na linha quando o João de Barro fazia o ninho sobre os fios.
Eram muitas dificuldades. Quando os problemas não eram próximos à linha de trem, eles costumavam se deslocar de bicicleta ou a pé em distâncias de até 8 quilômetros.
“Escada de 6 metros nas costas, de bicicleta, pesado, mala de ferramentas no guidão até a Malwee, até a indústria Reunidas, até no cerealista, a bebidas Max Wilhelm, lá em cima no Waldemar Rau”, conta Hilário.
Orlando complementa lembrando dos postes de madeira, em que era preciso usar os pés de ferros para subir até a linha e fazer o conserto.
Os auxiliares também ficavam durante a noite na central para receber ligações que pudessem chegar durante a madrugada. Existia até um local para eles dormirem. Todas as manhãs, às 6h, antes das telefonistas chegarem, era preciso testar o funcionamento de todas as linhas.
“Foi trabalhoso, não era fácil”, descreve Orlando.
Era muita tecnologia
Hoje, descrever essas histórias parece coisa da idade da pedra. Mas para aquele momento, ir à central pedir uma ligação para Joinville era tão moderno quando fazer uma chamada via Whatsapp para a China.
De repente, era possível falar com parentes, conhecidos, sem precisar se locomover – apesar de muitas vezes a demora em conseguir a ligação fosse equivalente ao tempo de viagem.
Lá estavam as telefonistas operando a central e quem não tinha o telefone em casa – a maioria das pessoas – passava pelo local.
As telefonistas relatam que as pessoas chegavam ao balcão, pediam a ligação e entravam na fila de espera. Alguns dias iam para casa sem conseguir a chamada. Mas quando chegava a hora, vinha o anúncio.
“Fulano de tal, pode ir para a cabine”, relembra Marlene. Existia uma estrutura de madeira isolada, onde as pessoas poderiam ter privacidade para a conversa.
Geli Maria Vegini, 73 anos, comenta que, como elas no início, ninguém sabia usar um telefone. Era coisa de outro mundo.
Ela lembra uma vez em que transferiu a ligação e orientou a pessoa a ir até a cabine atender.
“Dentro da cabine era fechado e tinha um espelhinho de vidro. De repente eu olhei para ele, vi só as mãos [chacoalhando no ar]. Quando ele saiu, eu perguntei se ele tinha falado. Ele disse que sim, mas ele não pegou o telefone. Ele achava que era entrar na cabine e falar”, conta.
Maria Ropelato, 75 anos, que atuou como telefonista e depois era quem as coordenava, lembra que o trabalho precisava ser minucioso em todos os sentidos. Além de ficar nas tentativas de realizar as ligações que chegavam, cada vez em maior número, era preciso se atentar ao tempo das chamadas.
“Nós tínhamos o livro amarelo e o rosa, recebidas no rosa e transmitidas, no amarelo. Tudo tinham que colocar ali, quantos minutos, tudo”, comenta Mariquinha, como é carinhosamente chamada.
Anos de mudanças
Com o passar dos anos, os sistemas foram evoluindo. A manivela deixou de ser necessária. Segundo relato deixado por dona Nair em entrevista, por volta de 1957 começou a operar em Jaraguá do Sul o chamado DDO (Operadora Disca Direto) e as telefonistas realizavam apenas os interurbanos e internacionais – mais tarde modernizados com o DDD e DDI.
A CTC virou Cotesc (Companhia Catarinense de Telecomunicações), constituída pelo governo do Estado em 1969. Em 1974, a empresa estadual passou a se chamar Telesc (Telesc).
“Jaraguá do Sul tinha 120 telefones, depois quando nós fomos para o prédio em frente a Moretti Jourdan [no início da Marechal] tinham 300, e quando fomos para a frente do Bradesco, 8 mil”, comenta Áurea sobre esse crescimento, sem precisar os anos.
Foram mudanças lentas, que aconteceram ao passar das décadas. Haviam mais linhas, a rede foi sendo capaz de fazer a comutação – como é chamado o processo de interligar dois ou mais pontos entre si – por meio de um sistema automático. Gradualmente a figura de telefonista que fazia essa conexão pela central deixou de existir.
Florilda lembra que a mãe, dona Nair, fez questão de conseguir reposicionar as telefonistas que eram dispensadas em empresas, que agora com telefone próprio precisavam de pessoas internas para coordenar o vai e vem de ligações.
Hoje, esses profissionais que viveram de perto aquele momento lembram com saudades e ressaltam como as novas gerações, que nasceram com internet e smartphones na mão, são incapazes de entender a importância daquele momento histórico.
“É a comparação da carroça a cavalo com o avião. Hoje você abre uma conta e manda dinheiro para o Japão. Naquela época, se eu queria ligar para ele eu tinha que ligar para dona Maria primeiro para conectar nós dois. Desse tempo nós somos”, exemplifica Hilário.
Mesmo com tantos desafios da época, é consenso para todos o quanto participar daquele momento foi especial. Com smartphone e mensagens instantâneas à disposição, é a magia do telefone, da novidade, que faz falta.
Sobre o artigo que você leu
“Antigamente em Jaraguá do Sul” é uma série que investiga, resgata e preserva a memória de histórias, rotinas, pessoas e fatos que moldaram a identidade de nossa cidade. Tem alguma curiosidade ou dica que queira compartilhar com a gente?
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