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Professor é daquelas profissões difíceis de definir. Cada um tem seu jeito de ensinar, vive a rotina de uma escola diferente, ensina para alunos de idades diferentes – são universos únicos. Mas passar um período com Eliane Francesci, 48 anos, nos aproximou um pouco da rotina de um professor em Jaraguá do Sul.
No universo dela – em uma sala de aula que faz frente com uma arrozal, na escola municipal Ribeirão Cavalo – estão crianças de 7 a 8 anos em processo de alfabetização.
Na turma da manhã, na qual silenciosamente ocupei uma cadeira no fundo da sala, são 28 pequenos seres ávidos por entender, serem entendidos, escutar e trocar informações – muitas vezes ao mesmo tempo, o que exige uma paciência e calma que parecem inesgotáveis em Eliane.
A professora admite que esse jeito de lidar com as turmas foi algo que aprendeu com o tempo, afinal, esse ano completam 30 anos de atuação na rede municipal. Quando a agitação começa a tomar conta, Eliane vai falando cada vez mais baixo ou se cala totalmente.
Em poucos instantes a turma segue o exemplo. “É um exercício que eu fui aprendendo. Hoje eu vejo que ganho muito tempo diminuindo o tom de voz. Quando eles começam a se alterar, eu diminuo, só que eu aprendi sofrendo”, comenta.
Outra tática criativa são as músicas que Eliane canta com a turma toda vez que eles voltam de atividades agitadas, como educação física, a pausa para o recreio… Eles vão em uníssono e no fim o silêncio reina automaticamente.
Para ela, estar em sala de aula é uma constante troca de aprendizado. Se ensina e se aprende o tempo todo, especialmente quando se trata de criar estratégias para conseguir manter os alunos atentos e interessados no conteúdo.
“Ser professora é ensinar e aprender o tempo todo. É não insistir no erro. Fiz isso, não deu certo. Se eu errei, eu vou fazer o quê para melhorar?”, acredita.
Antes do sinal bater
Uma quarta-feira chuvosa, o sol nem tinha aparecido ainda às 7h30, e o sinal logo dá o toque para a aula começar. Eliane, claro, já está na escola e as atividades para o dia estão todas prontas.
Cada professor tem seu jeito de preparar aula. Existem as chamadas hora-atividade, que são brechas na rotina do professor que são destinadas para esse tipo de trabalho.
Mas Eliane revela que com outras demandas burocráticas, sobra pouco tempo para esse planejamento. E também por opção, ela gosta de reservar os sábados para produzir todas as atividades que serão feitas na semana seguinte.
“Faço um planejamento semanal porque é a forma como eu me organizo. Ocupo minhas aulas-atividades para reportar atividades, para ajustar caderno de aluno, para fazer correção, para conversar com os pais quando precisa…”, descreve. “Eu não sei fazer plano de aula um pouquinho de cada vez, por isso eu faço no sábado. Cada professor é um jeito, tem professor que se organiza nas horas-atividades, tem professor que faz à noite, eu não consigo”.
Em sala de aula
Quando criança, uma manhã na escola muitas vezes parece uma eternidade. Mas com a visão de adulta, acostumada ao tique-taque do relógio, o tempo parece voar.
A professora vai dominando as horas, deixando a experiência transparecer ao encaixar todas as atividades em sua devida duração.
Claro, isso com uma pausa para o recreio, em que a professora se dividiu entre ajudar a turma a se servir da merenda e cuidar do corre-corre no corredor enquanto saboreava suas bolachinhas feitas com biomassa de banana verde. Cada professor monitora o recreio dois turnos por semana.
Mas na sala, durante a manhã teve a construção coletiva de um gráfico mostrando quantos alunos tinham e quantos não tinham carteira de identidade, depois teve leitura dos números, ditado de números e exercício de dezenas e unidades.
Enquanto alguns jogam o braço para cima, ansiosos para dar as respostas, tem aqueles que ainda seguem tímidos, precisando de mais tempo para finalmente entender o conteúdo.
“Dar aula para aluno que aprende fácil, é bem fácil. Agora a nossa busca, o nosso desafio, está naquele que tem um pouco mais de dificuldade – e é ali que a gente aprende, a cada dia”, comenta. “É na dificuldade que eu vou ter que buscar uma forma de melhorar”.
Uma pecinha de cada vez
Certamente não sou só eu que acho fascinante como um professor consegue, dia a dia, fazer 20, 30 alunos aprenderem coisas novas. Eliane afirma que isso é uma construção.
Ao começo de ano letivo, apesar das três décadas de experiência, vai pelo menos um mês para a professora decorar o nome de todos e entender as individualidades de cada aluno: o que ele é capaz, no que tem dificuldade.
Conhecendo os perfis, é preciso equalizar. Fazer com que alunos que ainda não estão alfabetizados, os que têm dificuldade, dêem um grande salto; trabalhar a inclusão de uma aluna especial e, ao mesmo tempo, estimular os demais.
Para ela, o segredo é criar atividades diferenciadas e ter um atendimento individual para quem mais precisa de atenção.
“Para aqueles que já caminham por conta própria, a gente passa a atividade, caminha pela sala e vem para os que têm dificuldades, e ali trabalha com a atividade adaptada para que, até o final do ano – porque é um processo lento -, esse aluno consiga estar caminhando junto com os outros”, comenta.
Outra estratégia é fazer os alunos se ajudarem nas atividades. “E às vezes com um aluno explicando para o outro, entende melhor do que o professor explicando, porque é uma linguagem mais parecida”, afirma.
- Filha de professora
A mãe de Eliane, conhecida na comunidade como Mariazinha, nunca impôs ou sugeriu a profissão à filha. Mas algo no exemplo da matriarca a fez seguir esse caminho.
Desde pequena, ela via os cadernos para corrigir, provas pela casa, um mundo muito fascinante para ela. Mariazinha era professora da escolinha do Salto, na localidade de Ribeirão Cavalo
“A minha primeira opção foi ser professora. Eu nunca pensei em ser outra coisa, sempre dizia desde pequena que iria crescer e ser professora”, relembra.
Assim, Eliane foi para a sala de aula com 19 anos, depois de fazer um curso de pedagogia no Colégio Divina Providência.
“Foi um começo muito sofrido e eu ainda tive uma turma muito difícil de comportamento. Eu não tinha maturidade, eu não tinha conhecimento para ser uma boa professora, para lidar com aquilo…”, conta.
Foi o apoio das orientadoras escolares, na época na escola Albano Kanzler, que deu a Eliane o suporte para dar esses primeiros passos.
“Eu digo que evolui muito, eu sou uma professora muito melhor do que eu fui. Hoje quando eu olho para trás, pras coisas lá do início, eu fico pensando: nossa, quantas tristezas, quantas noites de sono perdidas por falta de experiência”, reflete.
Desafios da rotina
Se dar aula parece um bicho de sete cabeças, para Eliane, com todos os anos de profissão, isso foi ficando cada vez mais simples. Ver a evolução dos alunos é uma satisfação.
Cada professor vive uma realidade, mas ela pontua que o mais desafiador é lidar com aquilo que vai além do trabalho propriamente dito. É o que está no entorno que torna a atuação desafiadora -contexto familiar que influencia na aprendizagem, alunos cada vez mais desatentos e as burocracias que precisam ser cumpridas…
“Tem alunos com sérios problemas de comportamento, isso é reflexo de casa, então primeiro você tem que dar conta disso, tentar trazer o aluno pra ti, fazer que ele se concentre em aprender. Muitas vezes a gente tem que fazer coisas além do ensinar a ler e escrever”, ressalta.
Com o passar dos anos, especialmente nos tempos atuais, com crianças tão ligadas à tecnologia, também aumentou a impaciência.
Ao mesmo tempo que eles demonstram domínio de celulares e computadores, normalmente é só para navegação na internet e jogos – e coisas básicas como amarrar o calçado, ficam para trás.
O 14º salário
Eliane é uma verdadeira apaixonada pelo que faz. O entusiasmo é nítido. E especificamente por alfabetizar.
Ela conta que até passou por outras turmas, mas acabou voltando para os anos iniciais por amar facilitar essa etapa da aprendizagem.
“Eu acho que querendo ou não, eu sou o tipo de professora que precisa ver evolução diária. Talvez por isso que eu escolhi alfabetização”, acredita.
E, como gosta de brincar, a profissão recebe o 14º salário: um pagamento em satisfação por ver os alunos evoluírem no fim do ano.
“É quando você consegue ver que aquele aluno alfabetizou e vai para frente. Esse é o grande prêmio da profissão da gente, é ver a cada dia a vitória, o crescimento daquele aluno. É muito gratificante”, finaliza.
Sobre o artigo que você leu
“Na Minha Pele” é uma série que vai te levar a sentir as principais dificuldades e vantagens de exercer determinadas profissões em Jaraguá do Sul. Conheça e entenda aqui o que passam pessoas que estão direta ou indiretamente presentes na sua vida.
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